CRÔNICA: Quem é você? Quem somos nós?

Hoje eu estive pensando. Demorei mais para escrever do que costumeiramente, porque algumas questões são apenas coisas mal resolvidas que temos que colocar pra fora do corpo como um câncer emocional. E as doenças psíquicas causam males e chagas tão reais na fisiologia do corpo que às vezes acho possível morrer de amor, de paixão, de ciúme, de qualquer evento que nos machuque lá no fundo da psique.

Mas a questão hoje não foi tão simples de resolver, de falar, de expor, justamente por ser uma incógnita tão extemporânea, tão fora de contexto e tão sem variáveis que mesmo depois de cafés, cervejas, cigarros, noites mal dormidas, não é estranho que na minha cabeça a insônia pese com tanto ruminar de idéias desconexas e esdrúxulas sobre a existência.

À companhia de Janis Joplin, Charles Bukowski, música, poesia, destilados e algumas poucas lágrimas, pude rascunhar no sonho, com a gilete da hipocondria, um esboço daquilo que tentamos ser nesta vida estúpida. Vivemos nossos personagens todos os dias: pai, mãe, esposa, marido, amigo, funcionário do mês, líder buscando resultados, professor tentando ensinar, médicos salvadores ou ceifadores de vidas, policiais honestos ou desonestos, mártires, cafetões, prostitutas, sacerdotes.

É assim que continuaremos a viver no cotidiano: celebrando missas, trabalhando, trocando alianças, assinando divórcios, procurando alegria na embriaguez, na solteirice, no sexo casual, enfim. Mas quem somos de fato quando estamos sozinhos? Aí você chega em casa e se deita solitário, cheio de solicitudes vazias, fita o teto para desfitar sua cara feia no espelho. O ruminar então lhe toma abruptamente, como o despertar do autoconhecimento, que te fará desabrochar para algum lampejo de luz que explique suas decisões brilhantes no trabalho e a inobservância imperdoável no trato pessoal com seus semelhantes ou vice versa. Não ser quem deveria ser de fato é o crime mais hediondo que perpetramos contra nosso eu verdadeiro, todas as manhãs, ao assumir um papel que não nos deveria pertencer.

Esse é o teatro da vida. Nele mora um elenco que só existe à própria revelia, atuando ininterruptamente, sem trocas, com um enredo imprevisível e que, nos bastidores, se espera apenas a solidão árida com seus longos braços abertos e suas brincadeiras agourentas e intermitentes. Nossa identidade íntima é um jogo de luz, sombras e cinzas. O arco-íris é só uma casca boiando na superfície. Quem somos? Quem deveríamos ser? Essa resposta, caro amigo, você não a encontrará lendo esta crônica e outras tantas. Nem nos livros, nas teorias científicas, na religião, nos cálculos matemáticos e suas mecânicas quânticas. Nada disso. Porque depois de tudo e quando os errantes tiverem debandado como aves de rapina covardes, restará apenas o Homem em sua unidade perversa, com sua vida fútil e sua história amarguradamente pregressa. Será exatamente neste ponto onde estaremos mais próximos de conseguir nos encontrar.

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Arquiduque de Ignaros
Enviado por Arquiduque de Ignaros em 01/10/2014
Código do texto: T4982846
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