UM CÃO INESQUECÍVEL
Guará, era seu nome. Era mestiço de pastor alemão e já tinha uma certa idade quando o conheci.
Era um cão bravo com pessoas estranhas, mas as três crianças da família faziam o que queriam com ele, inclusive cavalgar em seu magro dorso.
Nós morávamos na casa vizinha aos donos do Guará e ao fazermos amizade com eles também nos tornamos amigos do velho pastor que nos visitava todas as manhãs para ganhar um pouco de comida.
A vizinhança não gostava muito do Guará e tinha suas razões, pois ele adorava morder calcanhares e estraçalhar barras de calças. Não sei se por instinto de macho, mas o Guará só atacava os homens. Poupava as crianças e as senhoras e senhorinhas de qualquer idade.
Guará era um cachorro diferente. Eu conseguia perceber em seu olhar suas emoções. Se eu o chamasse pelo nome e lhe fizesse um carinho ele me olhava com um olhar de gratidão e ternura. E se eu lhe chamasse a atenção ou falasse em tom de censura o bicho se mostrava envergonhado e triste. O Guará tinha sentimentos, tenho certeza. Ele odiava tudo que terminasse em "eiro", principalmente o carteiro. Ao avistar o mensageiro do Correio ele vertia ódio em seus olhos vermelhos. Também, onde já se viu o sujeito chegar assim como quem não quer nada e enfiar papéis naquela caixa que pertencia ao seu dono?
Guará era um cão fiel e extremamente amoroso com os membros de sua família. E exercia sua função de guardião com muita competência. Estranho algum se aproximava da casa de seus donos sem a sua permissão e, talvez em sinal de gratidão à atenção que lhe dávamos, cuidava também de minha casa. Sempre que eu viajava ia muito tranquilo sabendo que o Guará estaria a postos cuidando do meu patrimônio.
Certo dia, aquela família resolveu mudar de vida. Queriam deixar de pagar aluguel e surgiu uma oportunidade de comprar um pequeno apartamento no outro lado da cidade. O caminhão foi levando os móveis e utensílios e, naturalmente, o Guará, que se instalou à beira da janela da nova casa, um apartamento térreo.
Mas não teve jeito. O animal não podia ficar ao relento e resolveram doar o Guará. O pastor foi levado numa tarde de sexta-feira a bordo de uma kombi de um freteiro. À noite, as crianças choraram pela falta do Guará. O pai tentou consolá-los, mas o amor das crianças pelo cachorro também era bastante grande.
Na manhã seguinte, para surpresa de todos, ouviram arranhões na janela. O velho cão estava de volta. Percorrera cerca de seis quilômetros e voltara para junto dos seus abanando alegremente sua cauda. No entanto, não havia como deixar o cão morando no novo domicílio. Nem o condomínio permitiria. A solução foi telefonar para o freteiro e pedir que ele viesse buscar o bicho novamente.
Dessa vez a despedida foi mais dolorida. O velho cão foi arrastado para a Kombi uivando e sob os protestos das três crianças que não se conformavam com a situação.
No dia seguinte, para desespero de seu dono, lá estava novamente o Guará enfiando o focinho, sorridente, pelo vão da janela.
Novamente o freteiro veio buscá-lo, dessa vez com a recomendação que o deixasse amarrado. Outra choradeira das crianças e muitos uivos lancinantes e doloridos do cão. Puxado pela corda, logo ele que sempre experimentou a liberdade e que nunca tivera a marca de uma coleira em seu pescoço, foi-se o Guará, dessa vez para sempre.
Semanas depois o Guará morreu. Ficou dias sem comer e beber água. A ausência daqueles seres humanos que ele tanto amava se tornou insuportável. Morreu de tristeza, solitário, com uma corrente lhe privando da liberdade de correr, pular o muro, brincar com as crianças e, de vez em quando, morder calcanhares incautos que passavam nas imediações.