Fatos Cotidianos 53
Segunda feira. Minha mãe viaja e me deixa uma grana, uns vinte reais e alguns vale refeição. Um bilhete dizia que ela voltaria na quinta. Geralmente ela chega quinta a tarde. Pensei, vou estudar um pouco, já que ela vai estar fora de casa. Tenho uma prova safada na quinta e vai dar pra estudar melhor com ela fora. Beleza. Foi o que eu decidi fazer. Fazia tempo que eu precisava dar um jeito nas coisas, na minha merda de vida, e isso fora o emprego que eu tinha de arrumar.
Fui até a geladeira e vi uma garrafa de rum. Vou me embebedar, pensei. Havia parado de beber já a algum tempo. Por motivos que não vou contar. Bons motivos. Bebia uma cerveja bem de vez em quando pra sentir o gosto. Odiava o álcool, mas amava o álcool. Relação maldita. Evitava beber. Não podia. Não podia ser como antes. E realmente não estava sendo. Tinha mesmo conseguido parar de beber. Mas aquele dia tinha decidido me embebedar, e era isso mesmo que eu ia fazer. Tomei um banho, fui à universidade, descobri muitas coisas pra fazer, um trabalho escrito, dois seminários, comprei uma briga no grupo de discussão com um pseudo intelectual que falava bonito. Ainda bem que o grupo era pela internet e ninguém sabia que era eu. Entrava anônimo, falava o que pensava e não tinha que dar satisfações em sala de aula. Um tempo depois descobriram que era eu e foi uma merda, mas isso foi numa outra semana, nesse texto o que interessa é esta semana de merda.
Voltei da faculdade e descobri que não tinha coca cola em casa. Não iria tomar rum sem coca, então deixei a bebedeira para outro dia. Na faculdade tinha passado um mail pro meu amigo E... pra ele ir lá pra casa beber um pouco e discutir algumas bobagens. Nesse dia, entre cachorros quentes, chocolates, cigarros, gibis do Conan e outras merdas tinha gastado dez reais. Bati a famosa punheta e fui dormir.
Terça feira. Acordo meio dia e vou comprar umas cocas. Fui sem escovar os dentes nem trocar de roupa. Fui num café perto de casa que aceitava tickets e era freqüentado por gringos. O café ficava entre os dois maiores hotéis cinco estrelas da cidade. Só dava alemães, ingleses e também muitos outros tipos de imbecis. Era difícil encontrar um brasileiro por lá, mas eu sempre ia lá porque eles aceitavam meus tickets. Comprei as cocas e voltei pra casa. Comecei a beber o rum com coca e limão e assistir família dinossauro. Resolvi não ir á escola assim eu poderia escrever muitas coisas. Eu escrevia no computador, e como eu não usava o computador em casa, porque minha mãe não gostava muito, então eu ia usar na escola. Escrevia minhas coisas lá. Minha aula começava as sete da noite mas eu ia umas duas da tarde e ficava lendo e escrevendo. Como disse o E... era a única coisa que a gente sabia fazer: ler e escrever.
Mas nessa terça eu não ia pra universidade, ia ficar e me embebedar. Fui cagar e acabei cagando sangue. Deviam ser umas oito quando o E... chegou. Fiquei bravo com ele porque não tinha trazido nenhuma garota pra gente se divertir, mas ele estava muito furioso. Muito mesmo. Reclamou alguma coisa sobre grana, ou sobre uns imbecis, não me lembro mais agora. Colocamos um Testament e ficamos ouvindo. Fumamos uns baseados e reclamamos que não tinha nenhuma mulher que quisesse dar pra gente. Eu estava meio alto, mas não estava bêbado. Escrevi umas bobagens e passei uns textos meus pra ele. Não tinha comida então resolvemos fazer compras. Deviam ser umas três da manha, então já era quarta.
Quarta feira. Saímos três da manha e fomos num supermercado 24 horas que ficava perto de casa. Compramos pizza, refrigerantes e uma vodka chamada Moskowita. A mais barata. Aquela que você compra pra se embebedar. Na volta passamos pela praça Paulista e fumamos um baseado em frente ao Maksud Plaza. Chegamos em casa e fizemos a pizza. A casa estava uma bagunça, com colchões pelo chão, cobertores, meias, tênis e almofadas jogados. Eu sempre limpava tudo antes que minha mãe chegasse em casa porque se ela visse tanta bagunça acho que desmaiava. E depois iria me mandar embora de casa. Comemos pizza com maionese. Fumamos muitos cigarros e fomos dormir. Acordamos umas duas horas. Caguei mais sangue, estava começando a me preocupar. Eu bebia vodka com leite e café. Enjoei depois de uns copos e saí pra comprar refrigerante de limão. Fui no mesmo café de gringos. Antes comprei uns lanches. dois baurus e um calabreza. Meu dinheiro tinha acabado. Estava duro. Entrei no café de calça velha, blusa com buracos, cabelos sem pente, meias e chinelos, comendo um Bauru sem guardanapo. Comprei as sodas e fui pra casa. Dividimos os lanches. bebi soda com vodka até alguém bater na porta. Eram umas seis horas. Estávamos fumando um baseado.
Escondemos as coisas muito rápido e eu abri a porta. Era minha mãe. Eu não tinha lido o bilhete direito e ela tinha voltado. O apartamento estava um lixo. Pratos e bandeijas caíam da pia, não dava pra andar devido a quantidade de revistas, copos, pratos, roupas e calçados pelo chão. Minha mãe, ficou puta. Foi uma merda. O mesmo sermão de sempre. A mesma ladainha que ouço pelo menos duas vezes por semana. Que eu era um porco, que eu era um imbecil, que eu iria morrer pobre, que eu era um peso na vida dela, que eu não prestava pra PORRA NENHUMA. No fim, ameaças de que eu seria expulso de casa.
Disse que eu tinha faltado da escola só porque ela tinha ido viajar, mas a real era que eu precisava estudar. Tinha prova de um livro na quinta e só tinha esse livro no computador, não tinha comprado, puxei na net. Então, com ela em casa eu não estudaria, não entraria no computador. Precisava ir à escola fazer isso. Mas com ela fora, eu ficaria a vontade e iria ler muito melhor do que no laboratório da escola, mas ela não aceitou meus argumentos. Achou que eu estava mentindo. Me taxou de vagabundo e mentiroso. Fui esvaziar o cinzeiro, lotado, no banheiro, escorreguei, caiu tudo pro chão. Limpei rápido antes que ela visse e taquei no lixo. Uns minutos depois, cheiro de queimado e o lixo pegando fogo. Empurro tudo pra baixo do chuveiro e vira aquela porquice. Sob gritos de que eu era um perdedor, acompanhei meu amigo até a saída. Ele me xingou de muitas coisas, não me lembro mais o que. Dormi no chão da sala depois de limpar tudo pois minha presença não era muito bem vinda no quarto. Noite de cão.
Quinta feira. Acordei muito tarde. Umas duas horas. Fui pra faculdade e estudei como um louco pela minha noite perdida. Li praticamente o livro todo numa só tarde. Na hora da prova me enrolei um pouco, mas saiu alguma coisa. O problema era o professor, ele tinha dois mestrados, dois doutorados em Oxford e se achava o dono da verdade. Era foda. As provas dele eram as mais metódicas, as piores de se fazer, as que exigiam meses de estudo, e não dias. Mas eu queria tirar um cinco. Dez eu sabia que não iria tirar, mas queria mesmo um cinco. Algumas semanas depois me decepcionei, mas neste texto falamos desta semana e não de outras. Caguei sangue de novo e imaginei que estava com algum tipo de hemorragia interna. O troço saia normal, mas a bunda ficava toda cheia de sangue. Problemas no intestino, algo grave, pensei. Fui pra casa e dormi no sofá.
Sexta feira. Minha mãe reclamou que dormi no sofá. Poderia quebrar o sofá. Fui dormir na cama na hora em que ela saiu pro trabalho, umas seis da manha. Acordei meio dia. Não tomava banho desde segunda. Não tomei banho, juntei minhas coisas e saí. Tinha uma banda de rap tocando no Teatro Popular perto de casa. Parei pra ouvir, cantavam bem. Fui na biblioteca e li algumas coisas. Na faculdade fui cagar ouvindo musica. Tinha levado meu gravadorzinho. Caguei sangue de novo. Não estava mais preocupado. Iria morrer cagando sangue. Dane-se. Fui na sala de informática, escrevi um pouco e vi que estava me fudendo no debate contra o pseudo intelectual. Ele se baseava em coisas que eu não conhecia. Enchi o saco e escrevi que eu pensava o que queria e que estava certo. No fim das aulas fui beber umas cocas no bar e joguei bilhar. O fim de semana iria ser uma merda.