Um caso com a noite

Foi por mero acaso (se é que tal existe) que me tornei um notívago. Tudo começou com meu primeiro emprego: na Feira-livre Central de minha cidade! Arranjei um emprego, a princípio, de lavador de pratos e descascador de mandioca – à noite! Que experiência! Eu tinha treze anos de idade! Foi um preparo para a vida! Dois anos lá valia muito mais que um ano servindo o exército! Isso é o que se passava de boca em boca entre os feirantes! Como milhares de brasileiros, eu “ralava” o dia inteiro! À noite ia para a escola, lá onde tudo “rola”: podem dar-se bons cochilos, namorar e, claro, estudar!
Fui ficando cada vez mais amigo da noite, ela chega toda tarde, face negra – me sorri cheia de mistério, essa Dama da Escuridão; então, vai me convidando para fazer companhia a ela, no que aceito, de imediato: não consigo dizer não à noite, ela é irresistível! A vida restringiu-me o amor, serviu-me amor à conta- gotas! Melhor que nada! Era a vida me preparando para ser poeta! Um poeta de má sorte no amor! Curti muita solidão, amores me abandonaram, fui traído,... não sou desses poetas sortudos de dois amores: a poesia e a mulher amada! Tenho na poesia constância e às mulheres: estou aberto sempre a novas experiências! A noite sabe das minhas boas intenções – não deu, paciência! A vida foi passando, não sei por que mistério, meus empregos na maioria eram à noite: policial civil, onze anos de plantão (quantas noites sem dormir); taxista (curiango) oito anos e, para encerrar, doze anos de professor, lecionando à noite! Um belo currículo de experiências com a noite, não há negar isso! Para mim, não existe nenhum espetáculo mais grandioso, mais belo que uma noite de luar e de céu estrelado; se bem que as noites de escuridão; as noites de tempestade com chuva e vento também têm lá seus encantos, seus mistérios! À noite, a sensação de medo está sempre à flor da pele: questão de sobrevivência! A noite exige cuidados especiais, atenção redobrada, tem-se de aprender a usar o sexto sentido, porque, às vezes, com os olhos de carne não dá para ver através das sombras da noite, não dá para ver fantasmas com os olhos convencionais. Depois que me tornei poeta, passei a apreciar mais ainda a noite. Já escrevi vários poemas em homenagem à noite; neste momento, em que escrevo esta crônica, o relógio marca três e quarenta e cinco da madrugada.
Muita coisa ainda eu poderia falar sobre a noite, sobre tudo que vivi à noite, tenho muitos casos sobre a noite: meus casos com a noite; mas por hora é o que tenho a dizer. Para encerrar, cito apenas que o café, a música (boa música), o vinho as mulheres e o hábito da escrita são excelentes acompanhantes para uma boa noite de insônia!


 
Manoel de Almeida
Enviado por Manoel de Almeida em 26/09/2014
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