A Fábrica de Papel de Emílio de Moraes
Um dia desconfiei que às vezes, anjos aparecem na minha vida, muita pretensão, né?
Esse final de semana viajando para casa da mamãe, desconsolada pela viagem inesperada e por mais planos abatidos, eu queria a janela, mas carregava o bilhete do corredor. Que mundo ingrato, eu pensava. (Continuo insatisfeita por pouco, ou por tudo...)
Porém, qual não foi a minha surpresa quando ao chegar às poltronas uma velhinha, sorridente que com certeza tinha o bilhete da janela, disse:
- Sentei aqui, espero que você não se importe!
Todo aquele mau-humor se desfez. Como num passe de mágica. Ela com certeza trazia um pozinho encantado naquele sorriso, a primeira coisa que pensei, foi: como alguém poderia não gostar de uma criatura tão maravilhosa como aquela?!!!
Sorri e sentei à janela. Seria uma viagem interessante, previ.
Aos poucos descobri que ela tinha três filhos, os criara sozinha, tinha oito netos e estava preste a ser bisavó pela neta de treze anos. Desespero na família. E que família não tem problema?
Contou-me também da paixão por moto, entre risos e um leve tapa no braço. Fez com que eu arriscasse três chutes péssimos sobre sua idade. Sim, sou péssima nisso!! 67 anos, motoqueira, com muito orgulho.
- Tá pensando o quê? Só não viajo para Américo com a minha moto porque meus filhos não deixam. Não sei porque...
Flagrei um olhar distante, sapeca, daqueles que planejam algo ilegal e prazeroso.
Mostrei a foto do meu suposto namorado no celular: Brad Pitt. Risos, muitos risos.
Ela contou, até triste, que renunciou os homens, depois de ser abandonada, pensando na proteção da filha, que tinha sete anos. Depois que os filhos cresceram e foram embora, continuou sozinha não por opção.
- Chorei muito. Muito mesmo. Também, nenhum homem apareceu na minha vida. Nem mesmo um neguinho! Sabe? Pretinho? Nem mesmo um pretinho! Então, eu só chorava...
Eu tinha que rir.
- Você ri né? Mas foi ruim. Nem mesmo um neguinho.
Eu tentei ajudar:
- Mas a senhora ainda é nova!
- Imagina!!! Agora já é sem-vergonhice. Agora eu não choro mais. E já é sem-vergonhice.
Um momento de silêncio e do meu riso.
- Agora, eu deixei de fazer sozinha (muitos risos), pois é??! Sem-vergonhice. Porque eu fazia sozinha! Mas agora eu parei. Mas sabe eu não sou daquele tipo que dá por dá. Eu gosto de amor, de carinho.
Ela ficou com o olhar distante, pensativa.
Um movimento brusco do ônibus e um livro do meu colo ficou evidente.
- Ah! Vai ser médica?
- Se Deus quiser!
- Que beleza! Você vai salvar a vida de todo mundo! – Estava séria e olhando profundamente para minha alma.
- Tomara.
- Não!! Não seja pessimista. Você não pode duvidar da força que carrega aí dentro. Aí dentro de você. É gigante. Você tem que acreditar.
Ela sabia do que estava falando. Contou mais um pouco da sua vida, da sua rotina, de como ajudava as pessoas, trabalhava e se divertia.
-Eu não deixei você dormir né? - Ela perguntou sentida.
- Imagina, eu não estou com sono.
- Você já viu a fábrica de papel à noite?
- Fábrica de papel?? – arregalei os olhos.
- É, à noite.
- Não sei de fábrica de papel.
- Você nunca viu a fábrica de papel?
- Não.
- Ah, não acretido! Como pode? À noite é linda, parece um castelo.
- Um castelo?
- É, são vários prédios. E por causa das luzes. Eles trabalham até tarde.
- Nunca vi.
- Não pode ser!!
- E eu passo por esse caminho há três anos, uma vez por mês.
- Não!!!!!
- Sim.
- É a fábrica do Emílio de Moraes! Como nunca viu? Olha lá!! Olha lá!!!
Era sim uma visão magnífica, um contraste interessante entre a tecnologia, a poluição e a natureza. Prédios, janelas, torres, fumaça, luzes...
- Tá vendo? É do Emílio de Moraes. Parece um castelo né?Não acredito que você nunca tinha visto!!
De fato, parecia um castelo.