O BRASIL SEM FILOSOFIA

Informe-se e divirta-se através desta crônica! O conteúdo é verdadeiro. A forma de dizer, porém, é bem-humorada. Será que “atrai?”

Convido-lhe, com muito carinho, a ler esta crônica com muita atenção. Visto que você já começou a ler, isso significa que você é uma pessoa qualificada. Tenho certeza disso. Você pode emitir o seu parecer. A Filosofia nos permite dizer o que pensamos. Eu respeitarei o seu ponto de vista, seja qual for. Você vai encarar a leitura?

“... Olha lá, os dois anos, os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, de fato, não estão bons... Nós temos esse diagnóstico do ensino médio. Tanto é assim que criamos o Pronatec. O Pronatec tem duas partes, uma parte é ensino técnico. Por que criar um ensino técnico? Porque o jovem do ensino médio, ele não pode ficar com 12 matérias, incluindo nas 12 matérias, filosofia e sociologia. Não tenho nada contra filosofia e sociologia, mas um currículo com 12 matérias não atrai um jovem. Então, nós temos que primeiro ter uma reforma nos currículos e isso não é algo trivial...” (Dilma Rousseff, Presidente da República Federativa do Brasil, candidata à reeleição, numa entrevista ao atual jornal matutino da Rede Globo, no dia 22/09/2014)

Estou pensando seriamente sobre a minha vida profissional e sobre o exercício do pensamento. Mas, daqui a algum tempo, se a Dilma Rousseff decidir que a Filosofia é inútil, “não atrai um jovem”, eu deixarei até de pensar, pois eu aprendi que a Filosofia é a área do conhecimento humano que nos possibilita o exercício racional do pensamento sobre a verdade e a vida. Recentemente, fui aprovado em um concurso estadual para lecionar Filosofia. Estou esperando a convocação. Foi a minha terceira aprovação. Duas delas, em primeiro lugar.

Ainda estou pensando, mas, depois, eu voltarei a mostrar aos meus alunos, tanto no Ensino Fundamental quanto no Médio, a minha habilidade com a Matemática e com a Língua Portuguesa, além de outros conhecimentos que não pretendo mencionar, para não parecer um pedante. Ainda bem que Deus me deu a estrutura racional e a inteligência suficientes para me dedicar a vários campos do saber. Foi por isso que eu comprei uma grande e boa gramática da Língua Inglesa, além de dicionários desse idioma para, numa eventual necessidade, eu poder dar aula dessa disciplina.

Vou abandonar os meus estudos diários de Filosofia para me aplicar a um melhor conhecimento da Língua Inglesa. Talvez eu volte a dar aula dessa matéria, assim como já fui um excelente quebra-galho.

Estou muito preocupado! Eu disse que Deus me deu uma estrutura racional. O que é mesmo racionalidade? De onde vem isso? Preciso disso? Quem começou com isso? Onde? Por quê? Que tipo de saber adotou, pela primeira vez, a razão como instrumento de vida e de trabalho?

Nas escolas, os alunos não terão mais a oportunidade de pensar e conversar sobre a amizade, o amor. Ninguém mais falará sobre Moral e Ética, visto que estas são filhas, são disciplinas da Filosofia. Não haverá mais combate à corrupção. Ninguém duvidará de nada, nem reclamará nada, nem de nada. Os políticos brasileiros não serão mais objeto de suspeição. Todo mundo pensará absolutamente igual a todo mundo. Você, que está lendo esta crônica, não discordará mais de mim. Na verdade, ninguém pensará mais nada. Seremos todos pessoas programadas a fazer o que alguns decidirem. Seremos todos autômatos, máquinas, robôs de um sistema apenas técnico. Não mais haverá valores humanos, nem respeito à vida de ninguém. As guerras não serão combatidas com a razão crítica. Veja a situação do Oriente Médio! Lá, está tudo muito bom sem Filosofia.

Daqui a pouco tempo, teremos uma fórmula para a felicidade. Ninguém mais refletirá a respeito do ato de ser feliz. A reflexão será algo ultrapassado. Quando alguém discordar de mim, eu não mais pensarei que eu poderei ser a pessoa errada. Errado será o sistema que colocou um chip falho ou imperfeito em mim. Que sistema? Tornar-me-ei uma máquina. Não refletirei sobre os meus atos e atitudes. Não haverá mais noção de sentido, de argumento bem fundamentado. Como diria Descartes: “Bases sólidas”.

Daqui a algum tempo, ninguém terá mais direito de argumentar a respeito de nada. Argumentar com sentido não será mais ensinado nas escolas. Que disciplina irá falar sobre virtude, argumento, verdade, justiça, dignidade, respeito, amizade, amor, diálogo? O nosso mundo está carente de diálogo. Ainda estou dizendo isso na escola. Até quando? Não sei! Daqui a algum tempo, não haverá mais nada razoável. Onde estará a razão? Ser razoável não fará sentido. A única razão que existirá será a “razão instrumental”. Não mais haverá a “razão crítica”. Não haverá lógica em mais nada. O que é mesmo isso que se chama lógica? Quem inventou essa coisa chamada lógica? Para quê? Isso será ultrapassado.

Os casais não mais dialogarão. Não haverá mais espaço para o diálogo. Ninguém terá paciência para conversar com ninguém. Paulo Freire dizia que o diálogo é um encontro amoroso. Ainda estou ensinando isso nas escolas. Ainda é assunto de prova. Até quando? Não sei! Isso será coisa de Filosofia. Lembra?

Sem a Filosofia, quando alguém me oferecer uma droga, se oferecer, eu não terei razão para recusar, pois baseado em que eu terei razão para dizer que eu não preciso de droga para me sentir bem? Que, apesar de já ter experimentado, eu não preciso de álcool para me sentir bem? Não uso droga; só remédio, quando preciso, que é também droga. Mas ninguém quer precisar de remédio. Ou quer? Até quando eu poderei argumentar? O grande e admirável político brasileiro Cristovam Buarque afirma, constantemente, que “a vida não precisa de droga”; que “a vida é bem melhor sem droga”. Ainda ontem, dia 23/09/2014, ele fez essas afirmações no Senado Federal.

Daqui a algum tempo, não mais pensaremos sobre a vida em todos os seus sentidos. Até a Ciência da Sociedade (a Sociologia) a Dilma quer retirar das escolas brasileiras. Sem a Sociologia, também filha da Filosofia, não haverá mais análise social. Os conflitos não serão estudados, nem debatidos, nem resolvidos. Os fatos sociais não serão objeto de estudo. Eis o que a Dilma quer fazer: construir um país de robôs.

Haverá o tempo em que a Filosofia voltará a ser um conhecimento de luxo; um saber de poucos e para poucos; para alguns privilegiados. Nesse tempo, um dos preconceitos de Platão será confirmado: teremos a prova de que a Filosofia não é para todos; não é para o povo. Sem Filosofia, eu não poderei aceitar o que é bom e rejeitar o que não serve na filosofia platônica. Não haverá possibilidade de pensar, de raciocinar, de ser eu, de você ser você.

Veja, agora, o que pensavam alguns pensadores sobre a Filosofia:

Kant: “A filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade humana”.

Merleau-Ponty: “A filosofia é um despertar para ver e mudar o nosso mundo”.

O corajoso e admirável Espinosa: “A filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade”.

Eu digo: a filosofia é um saber, uma atitude e uma postura conscientes diante da vida e do mundo. A filosofia nos ajuda a ser mais humanos e a não ser ingênuos; a não nos deixarmos enganar por ninguém e a evitar que alguém seja enganado por nós mesmos. A filosofia trabalha com a razão crítica e respeita a vida de todos os seres. A filosofia é um convite à felicidade, à humanização do homem e da mulher. É um anseio pela sabedoria. A Dilma, porém, não quer nada disso.

Tchau, liberdade! Tchau, busca da felicidade! Tchau, melhoria do mundo! Tchau, reflexão sobre a vida humana! Tchau, razão crítica!

Voltarei a me deleitar com a minha capacidade para bem explicar o que é uma matriz quadrada, triangular, diagonal, identidade e nula. Terei o imenso prazer de explicar como se faz uma adição, subtração e multiplicação de matrizes, assunto do segundo ano do Ensino Médio, dentre outros assuntos. Terei a imensa satisfação de encher um quadro branco com apenas uma equação do 2º grau. Terei o imenso prazer de exibir os meus conhecimentos matemáticos. Ainda bem que Deus me deu esse dom para ser desenvolvido. Do contrário, talvez eu só tivesse começado a ensinar neste ano de 2014, visto que, quando me formei em Filosofia, foi a Matemática que eu recebi.

No Brasil, numa mesma escola, quem é formado em Letras ou Matemática dá aula de Filosofia, e quem é formado em Filosofia dá aula de Português e Matemática. Ainda bem que eu dei conta do recado. Dizem que eu sou muito bom em Matemática! Sobre os meus conhecimentos na área de Língua Portuguesa, eu devo dizer que evito fazer comentários. Hoje, eu estou muito humilde... Devem ser as palavras da Dilma que já estão me levando a me esquecer dos ensinamentos socráticos. Não quero mais refletir sobre humildade. Humildade é coisa de Filosofia e de quem não tem o que fazer. Já estou começando a ser envaidecido. A Dilma já está começando a me influenciar.

Concluo esta crônica com palavras do filósofo grego Epicuro: “Devemos começar a filosofar desde a mocidade, porém, sem deixarmos de fazê-lo, cansados, na velhice. Para realizar algo em prol da saúde espiritual, ninguém é demasiadamente moço nem muito velho; mas, quem, porventura, supuser que, para filosofar, está moço ou velho, em demasia, dirá do mesmo modo que o instante exato da sua felicidade ainda não chegou ou já se foi. Portanto, ambos devem filosofar: o moço e o velho. Este, para que permaneça jovem, no grato gozo do bem que lhe oferecera o passado; aquele, para que possa encarar sem receios o futuro, e com isso conseguir ser, a um tempo, moço e velho. Verdade é que é necessário praticar desde cedo aquilo que confere felicidade, pois com ela possuímos tudo, e a quem ela faltar, tudo fará para adquiri-la.” (Carta a Meneceu)

Domingos Ivan Barbosa
Enviado por Domingos Ivan Barbosa em 24/09/2014
Reeditado em 24/09/2014
Código do texto: T4974273
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