ALMONDÊGAS GELADAS
ALMONDÊGAS GELADAS
O Di Renzo morava com seus pais em um apartamento no edifício Week End, de frente para o mar, em São Vicente. Era um visual maravilhoso. Da janela podia-se ver a região situada entre a Ilha Porchat e a Praia de Paranapuã, popularmente chamada de Praia das Vacas (antigamente havia uma criação de gado no local). Dalí víamos um dos nossos sonhos de surfistas: a ondas que se quebravam devido uma parte da região ter pouca profundidade. Era uma arrebentação. Mais do que encantados pelo surf, estávamos enfeitiçados pelo novo esporte. Um só assuntos ocupava nossas conversas e projetos e se chamava surf. Eu tinha uma enciclopédia Barsa, que era uma cópia simplificada da famosa Enciclopédia Britânica, e permitia fazer consultas especiais sobre assuntos diversos. A única consulta que fiz foi sobre surf. Recebi um extenso relatório, escrito em inglês, que contava toda a história do surf, citava os reis havaianos e falava de Duke Kahanamoku. O Gregório Stipanich, de saudosa memória, terminou a primeira prancha, que era oca, de madeira, com estrutura em cavername, com 2,40m de comprimento. Imediatamente pedimos que êle construísse outra, maior. A primeira prancha chamamos de Ripple (ondulação, em inglês) e era pintada em tinta alumínio e um raio em vermelho na frente. Próximo a bolina ( hoje chamada de quilha) havia um plug de tubo galvanizado pra escoamento da água. A segunda prancha teria 2,80 de comprimento. Foi pintada em listras diagonais vermelho e branco, mais larga e mais pesada que a primeira. Mas muito mais estável e mais fácil de “entrar” na onda. Quando só havia uma prancha, e nós éramos três ( eu, Paulo Miorim. O Di Renzo e o Sérgio Heleno) fazíamos um revezamento: cada um podia pegar três ondas de cada vez. Com duas pranchas as coisas melhoravam bastante: muitas vezes estávamos em dois e era um paraíso: uma prancha para cada. E então podíamos remar até a arrebentação e pegar aquelas ondas maravilhosas, que só víamos da janela do Di Renzo. Essas ondas eram de longo curso e, como não havia aquela cordinha que liga o surfista à prancha, cada tombo implicava em nadar uns 100m ou mais. Depois de umas três ou quatro horas de ondas, quedas, nadadas o cansaço era grande. E além disso, havia as noites. E nós as vivíamos intensamente. Haja preparo físico.
Não era só o surf que ocupava nosso tempo. Havia a noite, que nos ocupava com outras atividades: namoradas, carros, rock, bossa nova, bailes, boates, bebidas, etc. Finais de semana, Clube dos Ingleses, Internacional e bebidas. Muitas vezes, os pais do Di Renzo saiam aos finais de semana e eu dormia num confortável sofá que ficava na sala. Sempre nas madrugadas de sábado para domingo. Domingo de manhã, acordava meio baleado, com uma ressaca e com muita fome. Di Renzo dormia até um pouco mais tarde. Primeira coisa a fazer: verificar se tinha onda na arrebentação. Em seguida visitava furtivamente a geladeira. A mãe do Di Renzo era uma excelente cozinheira e preparava umas almondêgas maravilhosas às sextas feiras. Nos domingos que eu dormia na casa do Di Renzo encontrava sempre uma sobra, um prato de almondêgas. Geladas. Da primeira vez ainda pensei um pouco, peguei uma só. A fome era grande e comi uma só. Di Renzo acordou: “- Oh Miorim, esse negócio tá gelado!”. Respondi que apesar de gelada, estava uma delícia. Comemos todas as almondêgas, geladas. Realmente, estavam deliciosas.Se bem me lembro, repetimos algumas vêzes esse ritual. As almondêgas eram cada vez mais gostosas. E bem geladas.
Paulo Miorim