Sônia, O curió da praça.
A praça de Ibiraçu, apesar de pequena, pouco mais de 50 metros quadrados, já foi palco de muitos acontecimentos e morada de diversos tipos de seres. As árvores plantadas ali já estão grandes e tão altas que não se pode mais alcançar os galhos. De todos que ali viveram ou vivem ainda, para mim, um morador especial se destacou de forma carinhosa e terna. Olho com muita ternura pros pássaros. Esta moradora especial mora aqui mas sai todos os dias atrás de alimentos. Dorme no galho mais alto do velho Jequitibá, que há muito tempo mora também na praça.
Outros também dividem os galhos com ela. Vários tipos de pássaros que cantam e fazem da praça um lugar quase divino. Mas ela é diferente e seu canto se sobressai.
De manhã, Seu Zé da Relojoaria Tic Tac, que funciona num trailer montado em cima da calçada da praça, ouve seu canto lindo e quase chora de emoção. Ela é fantástica!! Quem ouve a pequena curió cantar, acha que Deus tem pena dos homens e manda todos os dias essa música leve e profunda pra acalmar nossa mente logo cedo e assim aguentarmos o tranco do dia.
Canta alegremente seu gorjeio e logo depois parte em busca do alimento, que hoje em dia tem que procurar, pois já não é tão abundante na natureza. Nós lhe colocamos até um nome humano.Chamamo-la de Sônia pois seu som é realmente lindo. Sônia é um lindo passarinho de penas não muito coloridas que acho que foram feitas pra enganar os malvados que quiserem aprisioná-la. Pois de um pássaro relativamente feio não se poderia esperar que cantasse tão divinamente. Sabemos que ela é a fêmea pois seu ventre também é pardo. No caso dos machos o ventre é acastanhado e o resto das penas é escura. O bico é forte pra abrir as sementes, que adora e de onde se origina seu nome. Os índios o chamam de curió porque na sua língua quer dizer: pássaro que gosta de sementes.
Mas mesmo assim, sem uma beleza exuberante, um moleque de uns oito anos de idade, entendedor de pássaros, certa ocasião tentou pegar a pobre Sônia e levar embora. Todos na praça ficamos indignados. Tentamos proteger o bichinho de qualquer maneira. Ele armava a arapuca todas as noites e vinha averiguar de manhã. Quem chegava primeiro, desarmava a arapuca e dessa forma evitava que Sônia, ou outro pássaro, caíssem em tão vil armadilha. As vezes chegávamos atrasados e lá estava o pobre bichinho desesperado a se debater dentro da arapuca. Sim arapuca!! Era esse o nome da armadilha. Era feita de madeira. Parecia uma fogueira. Ripinhas eram pregadas sobre as outras em forma decrescente fazendo uma espécie de pirâmide. Levantava-se um dos lados e era colocado um pauzinho pra escorar. Esse pauzinho estava amarrado a um alimento preferido pelo animal que se queria pegar, no caso de Sônia, uma latinha cheia de sementes. A arapuca caía sobre o animal, quando este comesse o alimento. Quando chegávamos e encontrávamos a pobre Sônia dentro da arapuca, corríamos a levantá-la e soltar o passarinho que partia veloz.
Mas num dia em que o moleque acordou mais cedo, quando chegamos a praça, ele já estava com ela dentro da gaiola. Ficamos muito tristes mas era a lei natural das coisas. Naquela época era permitido aprisionar pássaros em gaiola sem critério algum. Sônia chorava e se debatia, presa na gaiola. Em vão tentamos de tudo para que o moleque a soltasse. Ficou irredutível.
Quando se esgotaram quase todos os recursos tive uma ideia e perguntei ao moleque:
_ Para que quer este pássaro?
_ Ele canta e eu vou vendê ele.
_Mas ele está sofrendo, você não está vendo?
_Num tá sofrendo não. Tá querendo saí.
_Quanto você quer por ele? O garoto pensou muito e depois disse:
_Dez Real.
_ Achei graça da maneira do menino falar. Não primava pelo português correto e se o leitor me perdoar, acho que Deus também me perdoou. Usei sua ignorância, pra libertar a Sônia e os outros pássaros da ganância que se apossara da alma daquele menino tão pequeno. Disse-lhe:
_ Este pássaro custa dez Reais, mas eu quero comprar com a gaiola. Tudo bem?
_A gaiola é mais dez.
_ Se eu lhe der cinquenta Reais, você me vende todos os pássaros desta praça? - Nem pensou e respondeu:
_ Vendo!!!!
_Mas nunca mais vai poder pegar nenhum deles. Vão ser todos meus. - Ganancioso, o menino, nunca tinha visto tanto dinheiro na vidinha dele e por isso concordou no ato.
_ Certo. Eu topo.
_ Então toma o dinheiro e me dá a gaiola.
O menino partiu dali com o dinheiro na mão e um sorriso no rosto. Ele espalharia entre os moleques que os pássaros eram meus agora. Sabemos que isto não era verdade. Quis lhe dar algum dinheiro pois acho que ele precisava mesmo. Abri a gaiola e deixei Sônia voar. Pra garantir que ela não voltasse ficar presa naquela gaiola, eu e os moradores da praça, quebramo-la. Eles quiseram até me restituir o gasto, mas recusei dizendo que queria ouvir Sônia e os outros pássaros cantarem pra mim mais alguns anos e que para mim isto não tem preço.
Na primavera seguinte Sônia estava chocando ovinhos em seu ninho. Voara pra lá e pra cá atrás de palhas pra ficar mais confortável seu ninho. Seus ovinhos chocaram e dele saíram dois filhotinhos. Sônia Cuidou muito bem deles e eles se tornaram outros curiós cantantes, que pareciam agradecer a todos nós o favor de mantê-los livres de gaiolas. Um dia Sônia sumiu, mas seus filhotes estavam por ai cantando tão lindamente quanto ela, e nós nem sentimos sua falta. Agora, os curiós estão em extinção. Em Minas Gerais o perigo é maior. Esperamos que as leis contra o aprisionamento de pássaros seja mais efetiva. Aqui amamos os animais e temos certeza de que lá também há muitos que também amam. Por isso temos certeza de que lá, lutarão em favor deles.
A natureza é assim, repleta de coisas lindas que se substituem dia a dia fazendo com que sua beleza se perpetue. Hoje em dia, em Ibiraçu, admiramos mais ainda os belos pássaros que aqui vivem. Não podem mais ser aprisionados em gaiolas. Existem leis que os protegem. O Mosteiro Zen Budista, sempre solta lá no morro da Vagem, pássaros que foram apreendidos pelo IBAMA. No jardim de onde trabalho, sempre temos muitos pássaros, Curiós, inclusive, canários da praia, belga, sabiás, tico-ticos, entre outros. Colocamos canjiquinha e restos de migalhas de pão na calçada e eles vem comer. Estão tão a vontade que nem ligam pra nossa presença.
Obrigada DEUS por este presente maravilhoso! Estes pássaros lindos e suas cantigas maravilhosas!