Mandinga

Eu vivia feliz e não sabia, ou melhor, até o dia em que fiquei sabendo que uma banda tinha mudado para a casa do lado. Não, não era a música! A música até que era boa! Tampouco a culpa era dos constantes ensaios, pois o som mantinha-se dentro de limites toleráveis. Festas eles davam frequentemente, em média uma por semana, mas dava para agüentar. O problema mesmo eram os papos, altos papos até altas horas da madrugada. Eles viravam a noite, varavam o dia na conversa. A certa altura, dependendo das cervejas viradas ou varadas, a conversa reduzia-se tão somente a interjeições e depois sobravam só mesmo exclamações. O pior era o volume das exclamações e, ainda por cima, bem debaixo da nossa janela. Ninguém conseguia mais dormir, quer dizer, eu não, que bato na cama e durmo, mas a coitada da minha mulher não pregava mais o olho. Tentou-se de tudo: tampão de orelha, puxar o cobertor por cima da cabeça, fechar vidros e venezianas, mudar de quarto, até mesmo isolamento acústico se tentou. Nada funcionou!

Um dia tomei coragem e fui lá procurar o chefe da banda, o Miltão. Cheguei, todo sorrisos e comecei pedindo desculpas, ficava até sem jeito de reclamar, era natural, juventude, rapaziada, era tudo sinal de alegria, animação, et cetera e tal, mas tinha que ser debaixo da nossa janela? Miltão, muito educado, prometeu providências, aquilo não ia mais acontecer e, de fato, por duas semanas tivemos paz. Depois tudo recomeçou.

Foi aí que eu bolei o plano. Procurei o Miltão outra vez e gaguejei nervoso. Eu estava preocupado. Não, não era o sono, nem o barulho, muito menos a conversa. Mas minha mulher tinha começado a rogar praga. Dizia que ia fazer mandinga. Quando eu chegava perto, desconversava, não queria dizer o que era. Uma vez eu tinha ouvido a palavra avião ou desastre, não me lembrava bem. Que tomassem cuidado. Se acontecesse alguma coisa, como é que a gente ia ficar?

Depois, para garantir a integridade física da minha mulher, porque, o Miltão era gente boa, mas nunca se sabe e, seguro morreu de velho, ajuntei: “Eu aqui estou fazendo a minha parte. Comprei vitamina, levei-a ao médico e fiz exame. Porque, se ela viva é capaz do maior estrago, imagina ela morta! Lá junto da turma da pesada, o que é que eles não são capazes de aprontar?” Claro, eu amo a minha mulher e quero que ela ainda dure muitos anos!

Passaram-se mais umas semanas e a banda se mudou. Um dia, encontrei o Miltão no ônibus e perguntei: “Como é, o que é que aconteceu?” “Fomos para Jacarepaguá” foi a resposta curta. “Tão longe?” E o Miltão, sorrindo com ar misterioso: “Olha, problemas com o aquém, tudo bem, que a gente está acostumado, mas o além...”