Em busca da poesia

Morei em várias cidades do Brasil, mas o interior sempre foi o lugar preferido. Adorava escutar ao canto do Bem-te-vi, respirar ao ar puro exalado pelo perfume da “Dama da Noite”, que resistia à brutalidade humana. Acordava com o canto do macho da galinha, dispensando ao barulhento despertador. Juro que bebi água de mina, tomei banho na cachoeira da Serra do Jabuticabal. Subi em árvores, dei milho às galinhas. Enfim, fui fiel aos princípios interioranos e, acima de tudo, muito feliz. Hoje vivo numa capital, feliz, mais dinâmico e sentindo ao prazer de morar no Brasil. Mas sinto falta das fofocas, daquelas que aconteciam no meu bairro e se espalhavam pelo resto da cidade, cerca de 60 mil habitantes. Histórias verídicas, mas dotadas de um tempero que só o ser humano é capaz de acrescentar.

Lembro-me de uma professora, mulher de um farmacêutico, que o traía quando escutava da boca de qualquer homem poesias. Versos embalados pela inspiração de escritores dotados da sensibilidade, buscando a conquista do sexo feminino.

A docente saiu com alunos que com paciência foram descobrindo o real interesse da amante da poesia. Confesso ser bela a professora, mas o marido parecia um pobre coitado. Fazia muito àquela que o traía. A notícia espalhou-se pelo colégio, ganhou as ruas e residências da cidade, chegando aos ouvidos do traído. Um professor amigo meu, mestre em Estudos Literários, declamou Vinícius de Moraes e ganhou a docente. Alunos do Terceiro Ano do Ensino Médio chegaram a me pedirem, incansavelmente, poesias que exaltassem a mulher. Recomendei diversos: árcades, românticos, modernos.

O marido traído quis colocar um fim nos boatos e provar a inocência da esposa. Contratou um detetive e, finalmente, foram conduzidos ao flagrante de uma traição poética. Fotografaram a professora nua nos braços do pseudopoeta, que declamava Olavo Bilac ao sabor do vaivém.

Provas reunidas, esposa adúltera, foram para Justiça concretizar a separação. Marido traído é capaz de tudo, mas o farmaco queria apenas retirar os bens de sua ex-amada. Desejava deixá-la sem nada, apenas com a roupa do corpo.

Julgado o acontecimento saiu a professora vitoriosa, pois o juiz fora seu amante, citando apenas poesias da Segunda Geração do Romantismo. Semana passada disseram-me que a professora leciona pelas escolas da cidade à procura de homens que lhe declamem poesias.

Sergio Santanna
Enviado por Sergio Santanna em 22/05/2007
Código do texto: T497039
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