LEMBRANÇAS, LEMBRANÇAS...

LEMBRANÇAS, LEMBRANÇAS...

"Só no CRIAR há alegria. Só são entes aqueles que criam:

todos os outros são sombras que vagueiam sobre a Terra,

que não pertencem à Vida (...)". - ROMAIN ROLLAND

"É próprio da natureza humana acreditar menos naquilo

que se vê, do que naquilo que se lê". - G. BOISSIER

(trechos extraídos da obra "NA SEARA DO PENSAMENTO",

de Eurico S. Machado, editora GRAFISA, Belém / 1975.

Recente mensagem do amigo F. Rabelo reativou em minha mente esquecidas lembranças do que foi um sonho que virou pesadelo. A criação do CCCP não foi, em momento algum, idéia minha ou de meu irmão Renato, a começar pelo nome. O Centro Cultural que efetivamente existiu por mês e meio (ou nem isso), durou o tempo exato entre sua fundação em 18 de junho de 1988 e o dia em que se escolheu o símbolo, num "concurso" vencido pela estagiária do SESC Maria Zeneide Gomes e que, segundo ela, também era praticante de Capoeira do Grupo local. (OBS.: entramos com 13 dos 15 ou 16 desenhos concorrentes, praticamente todos os nossos eram "colagens" em xerox de fotos e desenhos já existentes, quase tudo em preto e branco. Desse evento surgiu um texto meu, bastante abrangente, sobre os símbolos na Capoeira e as preferências do alunado.)

Até se chegar à noite da fundação "muita água rolou por debaixo da ponte" numa capital que não contava com elas. A vontade de se criar o CCC -- o P foi por nossa conta, sugestão de meu irmão -- surgiu na casa dos pais de um "macumbeiro", professor de karatê e também mestre de Capoeira ao que parece, ex-aluno de J.R., que "fundaria" muitos outros "Grupos" e entidades, antes e depois desse Centro Cultural de Capoeira.

Não estive na reunião inicial em fins de 1987 e nem na seguinte, se é que houve. Bastante tempo depois é que, por insistência de um convincente patife, acabei por comparecer ao encontro final, de noite, num colégio cor de rosa próximo do Mercado de São Brás. Quiz o Destino que eu fosse o "secretário" da reunião, logo eu que já levara uma "sapatada" do tal famoso mestre em 1987, no nosso bairro, e não tinha a menor simpatia pelo arrogante indivíduo. Desprevenido, arranjei um pedaço de papel de pão e anotei como pude as exigências do fulano e os nomes dos capoeiristas presentes. O projeto "morreu" ali mesmo devido à intransigência do supermestre, que não aceitava sugestão ou interferência. Levei o "papelório" para casa... o têrmo CULTURAL não me saía da cabeça.

Uma Capoeira "cultural" vinha de encontro aos nossos ideais, afinal já havia hidrocapoeira, a terapêutica (SOMATERAPIA) com Roberto Freire e outras "invenções". Nessa época os evangélicos detestavam a Capoeira e, segundo obra da CPAD -- "A Mensagem oculta do Rock", de 1986 -- os atabaques "abriam as portas do Inferno". Hoje em dia cinismo e oportunismo se uniram e seitas evangélicas de todas as denominações fazem uso tanto do Rock quanto da ODIADA Capoeira como parte da "catequização" de novos adeptos. Abro um parêntesis: o Centro teve importantes colaborações, como a de FÁTIMA COLOMBIANO (mestra "Cigana") e dos mestres "Alvinho Sucuri", do Grupo Mocambo, e "MACAÔ", o poeta da Capoeira, falecido na mesma época, ambos de Aracaju. Fecho o parêntesis!

Voltemos ao Centro Cultural... passei boa parte de 1988 tentando em vão conseguir verba oficial para a implementação do Centro, que além da prática da Capoeira pretendia ensinar aos jovens uma profissão de cunho artístico, serigrafia, música, pintura, etc, a partir de professores abalizados. Esforço vão, o prefeito evangélico (F.C.) me despachou com um sonoro "Capoeira é coisa de quem não tem o que fazer!". Apelei então para a famosa LBA - Legião Bras. de Assistência, que apoiava com verbas todo tipo de entidade, ONGs ou centros comunitários.

Dei azar... fiquei "nas mãos" do funcionário (depois músico) Renato Lú que jamais se sensibilizou com nosso projeto. Quando estava por desistir eis que entra em cena novamente o espertalhão mais sortudo desta terra... conseguira êle verba da LBA mas como não tinha Grupo ou entidade, a repassara para o CCC.

Lá fui eu conversar com a diretora financeira da LBA, jovem simpática e solícita, de nome GRAÇA, jamais a esqueci! "O buraco era mai embaixo"... uma entidade do bairro do Una estava "devolvendo" (?!) parte da verba doada pela Legião, por falta DE USO. Não se espantem... quase todo Centro dito Comunitário da periferia na época só aplicava o dinheiro em cursos de manicure e/ou costureira, nada mais. Para os meninos e jovens Centro algum tinha outra preocupação que não fosse os torneios de "pelada", futebol amador. Aliás, não tinham mesas nem cadeiras, uma reles TV barata, dominó ou jogo de dama, mesa de pingpong nem nada parecido com lazer.

A "proposta" da LBA era encontrar outro Grupo ou entidade com o qual eu "racharia" a tal verba, que nem era tanta. Enquanto eu aguardava fiz um projeto que atenderia de 40 a 50 alunos, com 3 professores diferentes. Exigiu-se um atendimento mínimo de CEM ALUNOS, eu argumentei que não havia espaço ou instrutores com condições de atender tal quantidade, mas o projeto seguiu nesse "formato". Eis que surge o primeiro empecilho: o diretor da creche que repassara a verba nos intimou a prestar contas de tudo em 30 DIAS, mês e meio no máximo. A partir daí o "projeto" inteiro "foi pro espaço" e "torramos" a verba toda em uniformes para os alunos já existentes -- de 2 Grupos de Capoeira -- além de doar quantia considerável para os professores e adquirir 2 caixas amplificadas, com captadores de som para... berimbau. Pela primeira vez soou nos ares de Belém e de Ananindeua o som cavernoso do "gunga", com eco e reverberação, isso em 1988 !

Restava o "acerto de contas" com o vigarista profissional. Êle tinha que conseguir alunos... apresentou-me lista com 32 nomes e 1 quarto num MOTEL como "sala de treino". Recusei-me a lhe doar a terceira cota da verba. Providenciou espaço num "centro comunitário", local exíguo onde mal cabiam dez alunos. Meu irmão flagrou-o ensinando errado para meia dúzia de meninos o pouco que sabia de Capoeira. (Espero que tenha aprendido algo nesses 25 ANOS... já é "mestre" desde aquela época!) Contratou então um jovem "espírito de porco" -- a quem apelidamos de "Porco-espinho" -- e que seria o algoz de muito instrutor metido a mestre. Meteu o "doido varrido" numa creche oficial do Estado, onde não ficou 3 semanas, devido aos castigos que dava aos aluninhos, crianças de 5 ou 6 anos. Com relutância entreguei-lhe enfim a verba... mas o CCCP acumulou outros fracassos, uma avalanche deles.

Com o fechamento do prédio (pelos Bombeiros) onde o Grupo "Berimbau de Ouro" atuava, tentamos introduzi-lo no centro dito comunitário perto de nossa casa. Autorizados pela "estatal de (des)habitação", dona dos prédios, fomos combatidos pela "diretoria" do tal Centro desde a aula inaugural. Na segunda aula providenciaram uma reunião de diretoria e os alunos treinaram na quadra de futsal, no escuro, sem luz alguma. Na terceira aula, a surpresa final: perderamos 1 dia de aula para os evangélicos, se reunindo "por coincidência" exatamente no horário de ensino da Capoeira. Em pouco tempo, foram tantas as "interferências" que o mestre desistiu das aulas lá... e eu lhe dei total razão.

Do outro lado do bairro, meu irmão Renato lutava com problemas semelhantes. Numa Fundação estatal que atuava com crianças, os professores não estimulavam aluno algum a participar das aulas de Capoeira... ensino desalentador para 4 ou 5 somente, num estabelecimento com mais de 40 crianças. Saiu em pouco tempo e foi atuar em entidade parecida, a FEBEM. Com meninos sem regra alguma tentou em vão colocar um pouco de disciplina e comportamento na garotada, com algum sucesso.

No intervalo entre as 2 Fundações esteve por alguns meses no Centro Comunitário da C. Nova I, até que num belo dia de 1989 surgiram lá 3 ou 4 músicos de Belém, procurando sala para ensaios. "Sobrou" para a Capoeira, que perdeu 1 dia de aulas gratuitas, como sempre, aliás. Desprestigiado, meu irmão encerrou o ensino no local. Os futuros "cabeças" do "Boizinho salada mista", folclore "tutti frutti" misturando tudo, passaram apenas 2 ou 3 semanas no Centro e, depois, abandonaram tudo. Esperava-se a "Banda" para uma apresentação noturna, num evento de protesto contra a COHAB, que não cuidava dos Conjuntos Habitacionais. Como eram funcionários do Estado, os "figurões" não apareceram.

Meu irmão passou dali para um centro dito comunitário na rua WE 35, no Guajará, onde nos exigiram CIMENTAR o local, antes de poder usá-lo. Aceitamos a contragosto... era um drama dar aulas, era preciso "caçar a chave" do prédio na casa dos diretores, toda noite a mesma "ladainha". Por fim, o professor "Carioca" terminou ensinando NA RUA mesmo, embora o bairro tivesse DEZENAS de centros dito comunitários, além de PRAÇAS e casas abandonadas, que eram demolidas por seus donos a fim de que não fossem invadidas.

Quanto ao terceiro "professor", só soube que faria seu primeiro "batizado" (já como mestre) num ex-açougue, em março ou maio de de 1989... por escrito informei aos instrutores ligados aos CCCP que quem participasse daquela "palhaçada" seria desligado do Centro Cultural de Capoeira do Pará. Pedi a um amigo que assistisse ao evento e cumpri a palavra, desfiliando até o vice-presidente, um certo Imar. Èle nos daria "o trôco" no início de 1991 (ou 90?) num Batizado do então professor Beto, em Marituba, ao declarar -- sem que pedissem sua opinião -- que o CCCP "era só bandalheira, safadeza e picaretagem".

Um certo E. Lenoir, quase na mesma época, diria que "vocês estão NA LAMA que vocês mesmos criaram!" Não sei em que ambos basearam suas "opiniões", mas CRIAR foi só o que fizemos, durante a "letargia" de 4 anos em que viveu o CCCP. Como "desgraça pouca é bobagem", segundo a plebe ignara, perdemos a casa alugada onde morávamos, em meados de 1988, destruída com mais de 30 outras por um supermercado, enquanto a COHAB paraense fingia NÃO VER o absurdo daquilo, casas populares feitas com o dinheiro do povo, construídas poucos anos antes. Fomos morar numa garagem -- sem janelas, banheiro, água encanada ou chuveiro -- e, por volta de março ou abril de 1989 acabamos numa "invasão", lote de terra tomado na marra de seus legítimos donos (a Família ANAISSE) e nos "revendida" por 125 cruzeiros da época.

Para esquecer as agruras do Destino CRIAMOS nossa primeira exposição no CENTUR, "Capoeira, do início aos nossos dias", feita com folhas de cartolina emendadas, papel de embrulho e muita boa vontade. O CENTUR reconheceu nossos esforço e nos apoiou em 1990, exposição histórica coberta pelas TVs Liberal, RBA e Cultura, de cujas reportagens nos deram cópias... exceto é claro a TV do "macumbeiro" que, diretor da área de imagem, decidiu "empatar" nossa vida. Nessa época já vivíamos na "invasão", num barracão horrendo cujas "paredes" e telhado eram de "folhas de flandres", usadas nos linotipos dos jornais O Liberal e Diário do Pará, estampadas com fotos e manchetes.

Com a participação artística de Nelson Guedes montamos uma exposição magnífica, "A Capoeira em todas as Artes", além de 2 semanas de exibição de vídeos diversos, enviados por "Cigana", numa sala nos reservada. Lamentavelmente, a presença de obras de diversos artistas de Belém não foi possível porque o CENTUR não pode nos ceder sala onde se guardariam as obras dos artistas plásticos que quizessem participar. Ainda assim contamos com 3 belos quadros de GILVAN TAVARES, além de 1 outra tela, não lembro mais o autor. A mãe da jovem Pollyana, exímia em aquarelas, veio nos informar que a filha viajara para Brasília sem ter conseguido deixar suas telas com ninguém, no CENTUR.

Em pleno mês de férias, julho de 1990, a roleta de entrada/saída do 2º andar marcou mais de 6 MIL visitas, algo em torno de 2.500 pessoas. No ano de 1991 encerramos com "Arte Final: CAPOEIRA"!, já sem o pique do ano anterior. Surgiu em meados de 1993, durante um seminário sobre esportes, outra oportunidade. Embora autorizados pelo prof. Paulo Maneschi os funcionários do prédio cultural "nos negaram" quase tudo, do espaço aos painéis, limitando até os dias de exposição. Por fim, desmancharam a exposição ao meio-dia e nossos 32 painéis com fotos e colagens ficaram "jogados" no Hall, tendo "sumido" 8 deles, alguns com fotos únicas, mais de 30 imagens perdidas

Quem escrever sobre a Capoeira em Belém (ou no Pará) terá que nos dar o crédito de MAIORES DIVULGADORES dessa Arte-Luta aqui, pelo menos nos anos 90. Me dei ao trabalho de oferecer meu apoio à candidatura da "raposa-mor" da Política(gem) da região, apenas para que a música de mestre Suassuna -- "quem vem lá sou eu!" -- ecoasse por todos os rincões do Estado na eleição para governador, em 1988. Na Rádio CLUBE AM, o famoso radialista Amaury Silveira -- em ligação direta com o Japão -- também mostrou a música de Capoeira para o Mundo.

Por carta contactei meio Brasil, além de Polônia, Alemanha, Estados Unidos e Canadá, nossa melhor chance de EXPANSÃO da Capoeira (em vídeos), não fosse os CORREIOS local um eficiente carrasco a "degolar" sonhos e planos. Essa é a nossa História... quem puder que conte outra! Lembranças, lembranças...

"NATO" AZEVEDO (escritor e compositor) -- 16-18 set./2014

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OBSERVAÇÕES AO TEXTO

NOTA 1 - (de autoria de Maria Zeneide Gomes)

Prezados,

só contribuindo com sua memória Cincinato...as reuniões para criação do CCCP, aconteciam no SESC, onde eu Maria Zeneide Gomes da Silva na epoca, universitária era estagiária na instituição e não funcionária. Na mesma época também treinava capoeira no Grupo Dandara Bambula que tinha a frente Mestre Abiu. Além de ter criado o desenho, não era cópia xerox, pois na época cursava de arte na UFPA por onde também pesquisava capoeira...Também durante um tempo também secretariei o CCCP, escolhida pelo grupo, você Cincinato muitas vezes passou pela minha casa, na Cidade Nova para tratarmos sobre CCCP...

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O que tenho em minha monografia anterior sobre o CCCP escrevi porque participei das discussões realizadas naquele espaço na época e participei pelo Grupo Dandara Bambula e no SESC. Se não lembras de mim nos treinos, não tem problema nenhum para mim, até porque não eras do grupo, eras um visitante como muitos capoeiristas que iam lá. Eu desempenhava a função de acompanhar o grupo também, com a minha prancheta como tu dizes e nestes momentos não misturava funções e Luiz Carlos Moraes era coordenador da atividade.

Quanto as tuas solicitações/comunicação a direção do SESC ou até MEC, isso realmente nem tinha porque saber. Quanto a tuas idas a minha casa a WE 36 na C.Nova IV, elas realmente aconteceram, pela razão já citada e até por conta das minhas fotografias que te dei para organizares as exposições que fizestes por aí, como no Centur. Se ainda tiveres um exemplar de Jornal dos Bairros meu caro, vais poder constatar o meu nome em informação dada ao jornal, logico que sobre as fotos minha nos painéis organizados por vocês.

Fique a vontade para falar o que achares que deve sobre mim, com respeito eu espero.

Abraço

Zeneide

Em Sexta-feira, 19 de Setembro de 2014 6:22,

Maria Zeneide Gomes da Silva

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NOTA 2 - (comentários do autor, "NATO" AZEVEDO - em 20 set. 2014)

Por email Maria Zeneide Gomes tece alguns comentários sobre aspectos de minha crônica, afirmações que me vejo obrigado a contestar.

1 - Zeneide não estava, salvo engano, na reunião no colégio em São Brás e seu nome não consta da Ata oficial de Fundação, até onde sei, embora haja 30 nomes assinados no documento.

2 - no SESC eu quase não a via, nem nos treinos noturnos de Capoeira e nem nas Rodas sábados de tarde, com a presença de muitos capoeiristas externos... até que proibiram a entrada para os não filiados ao SESC, a partir da construção de uma guarita na portaria.

3 - é dificil crer que eu frequentasse a casa dela, até porque sou pessoa reservada, que pouco me relaciono. Pra mim o CCCP "acabou" quando 20 dos 23 capoeiristas abandonaram o evento de escolha do símbolo e foram assistir uma briga na avenida em frente. Percebi ali que estávamos perdendo tempo e esforço, nenhum deles voltou sequer para saber o resultado do concurso.

4 - quanto às fotos do evento "Viva Zumbi", nossa exposição foi em julho de 1990 e certamente eu a procurei, só que nessa época o CCCP estava "morto e enterrado", daí não teria eu razões para conversas com ela sobre o Centro. Resta saber quem morava na rua WE 20, onde peguei 2 das 4 fotos do belo evento de nov./1987.

5 - dos 30 praticantes que assinaram a Ata de fundação eu só conhecia pessoalmente uns 6 ou 8... logo, alguém contactou os demais. Poderia ser ela, o próprio professor do SESC na época ("Abíu") ou até meu irmão Renato, que já "rodava" meia Belém frequentando Grupos. Mas, não há porque discutir sobre uma entidade que sequer existiu efetivamente. Fiquemos por aqui! (N.A.).