Dona Mansinha
Ninguém dava muito por Dona Mansinha. A não ser na hora do recreio, quando os meninos da "Caixa Escolar" lançavam-lhe o olhar suplicante e o prato de alumínio ou a caneca esmaltada vazios, luzidios e vadios, como os seus estômagos. Mas tudo na perfeita ordem, em fila, senão mais pesado que a fome, vinha, nada amigo, o castigo.
Dona Mansinha, pretinha, magrinha, chupadinha, governava naqueles instantes. Do porão, pois não. A outra servente, branca e crente, a Tunica, também a colher metia, mas Mansinha, comandante, é que tudo geria.
Meninos da Caixa, que tinham acesso à sopa ou ao leite de Mansinha eram maiormente os mais necessitados, órfãos, filhos de pais desempregados e outros babados; doutra forma uma caneca de leite quente, açucarado, saía por um Tamandaré, um cruzeiro que foi e que pra mim ainda é. Ah, como aquela notinha clara a fome me amansara. E pela mão de Dona Mansinha.
Quando voltei a revê-la, uns vinte anos depois, numa quermesse não muito longe do grupo escolar de que se aposentara, alvinha, alvinha, já ia sua carapinha, e como sempre, curtinha. A boca mais murcha, o rosto mais crestado, e sem se meter com a concha, plácida, quietinha, Dona Mansinha. Não me reconheceu, freguês doutrora, de um dia, que lhe fui eu. Quiçá infiel por haver uma só vez provado daquele leite com mel.