Apesar de não o saber, escrevo
Às vezes, diante de certos fatos ou pensamentos, atrevo-me a escrever. Escrevo sobre coisas que sei, mas também sobre coisas que não sei. Coisas cuja existência limita-se apenas a conjecturas, ao meu imaginário. E pasmem, de escritor eu não tenho nada a não ser o acesso a um lápis, caneta, computador ou algo com o qual possa imprimir meus pensamentos, estórias fantasiosas, narrar fatos, denunciar, propor, reivindicar, comunicar.
Pode parecer estranho, audacioso ou inconsequente de minha parte, mas, sem qualquer rodeio, é assim que acontece: escrevo sem o saber.
Se acaso me sobrevém pensamentos de retração do ímpeto da escrita, suplanto-os imediatamente, pois sei que nem tudo o que é trazido à matéria, por nós humanos, é protegido pelo arcabouço da perfeição. Acredito na máxima de que “É melhor o imperfeito feito, do que o perfeito não feito”.
De fato. Já imaginou se os criadores de ideias, os inventores, os cientistas, os arqueólogos, os médicos-cirurgiães, os engenheiros, os astronautas, artesãos, escultores, artistas e todos os outros profissionais e só colocassem suas ideias, invenções, conhecimentos e o resultado de suas habilidades, de suas experiências e de seus trabalhos em prática somente quando tivessem a plena convicção de que estavam diante de uma criação “perfeita”? Provavelmente nada, ou quase nada, do que fora criado pela humanidade e tão amplamente desfrutado por nós, existiria.
No plano humano é praticamente impossível se chegar ao “perfeito”, sem que se tenha passado por penosos, frustrantes e sucessivos processos “imperfeitos”, em direção ao que aos nossos olhos são tidos por “perfeição”.
Foi e continua sendo atos de coragem, de abnegação e de audácia muito grandes por parte dos inventores, criadores, astronautas, cientistas, aventureiros etc., a partir de pensamentos, ideias e abstrações, envidarem esforços e vultosas cifras, suas e de terceiros, em busca da concretização de algo incerto, pouco provável e absurdo, aos olhos da quase totalidade das pessoas. E olha que muita coisa do que é palpável, real e que estão ao alcance de nossas mãos, dos nossos olhos e dos nossos sentidos e que fazem parte do nosso dia a dia ainda inspira incredulidade por parte de muitos céticos.
Se são criados inventos a partir de concepções muitas vezes equivocadas, cujas correções são feitas ao tempo do próprio desenvolvimento, até mesmo com riscos incalculáveis às pessoas, porque então não praticar os mesmos princípios à escrita? Afinal esse exercício é uma ação taciturna, individual, que não exala cheiros, não contamina ambientes, não expõe ninguém a riscos. Apenas aguça o imaginário, fazendo aflorar a criatividade, lembranças, sentimentos e emoções.
Quem sabe com a teimosia e com a insistência reiterada sobre essas minhas limitações, não advém uma generosa luz de sabedoria, capaz de iluminar a minha mente, de maneira a que eu possa ampliar essa habilidade credenciando-me a elaborações mais memoráveis?
Por essas e por outras razões confesso: não sei, mas apesar disso, escrevo.