Fidelidades maternais

Com tanto menino à sua volta, e só com o mínimo salário, sem revolta, mamãe nunca abriu mão das fidelidades básicas num lar: sabonete só Palmolive, creme dental só Philips e, para a maciez da cútis só o creme C Pond´s. E não transigia.

A gente ficava louco da vida pra provar do Kolynos - que era o que usava o tio Antônio - ou do Colgate, de suas irmãs, de embalagens tão coloridas, mas não havia como sair do sisudo Philips. E vinha essa crença - ou sabença - arraigada de uma recomendação de um Dr Telles, "um dentista que nunca teve outro igual", nos ensinava e a lição reiterava, pacientemente, a mamãe. Assim como nos fustigava

quando desconfiava que tínhamos ido para a cama sem cumprir aquela obrigação fundamental: escovar os dentes, e bem. Com a ajuda também da folha de goiaba e da folha de feijão-andu, para clarear.

E quanto ao sabonete? Nada de Lux, usado por nove entre dez estrelas do cinema, ou do Eucalol, esse que alardeava vir com as virtudes balsâmicas do puralim concentrado e trazia ainda o bônus de um anelzinho ou brochinho enterrado, para ser descoberto no momento certo, durante um banho...

Mas neca. Era o Palmolive e pronto. E a convicção maternal não partia de uma recomendação de um doutor Telles da higiene corporal. Essa era uma fidelidade intuitiva, e ponto final.

E havia o creme C Pond´s, que não estava ao nosso alcance, mas cujo potinho parecia durar décadas, de tão parcimonioso que era o seu uso. Mas pensando bem, podia ser até dispensado, pois com a cútis que tinha, mamãe podia deixar o potinho de lado.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/09/2014
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