A Dançarina
Na sexta à noite, quando os músicos retornam do intervalo, a dançarina entra em cena. Chega sempre sozinha e vai logo se ajeitando em uma das mesas próximas do palco, pedindo uma Coca-Cola. Na verdade, pedir é mais força de expressão, pois ali ela sequer precisa pedir coisa alguma. Basta que seja vista por um dos garçons e pronto: o refrigerante já pode ser considerado servido.
A impressão que se tem de seu figurino retrô é a de que foi inspirado naquelas embalagens antigas de produtos da década de 50, Maisena, por exemplo: Casaquinhos de mangas bufantes e saias rodadas, vestidos estampados com frutas tropicais ou de bolinhas, combinados, ou não, com sandálias de salto anabela, bolsas estampadas e um penteado próximo do da Dercy Goncalves dos anos 80.
Naquele ambiente noturno, o repertório dos músicos vai mudando conforme o teor etílico dos fregueses, mas ela, entre engradados de cerveja, tamboretes e a turma da “melhor idade”, continua firme, com os seus passinhos de boneca de caixa de música, sem sair do ritmo. Perdão, do “seu” ritmo.
Os habitués observam que, assim como a Globo News, ela nunca desliga; consegue ficar durante toda a noite em estado de êxtase, com aqueles olhinhos vidrados, mirando um ponto imaginário da plateia. Eventualmente, algum novo frequentador resolve se aproximar, convidando-a para a próxima música e logo leva uma tábua – a dançarina não gosta de dançar junto – entrega um veterano.
A noite vai aos poucos se desdobrando em tons de gatos pardos, enquanto a dançarina é só sorrisos. Lá pras tantas, impossível não parafrasear Chico Buarque: quando caímos mortos, ela empina!