A lamparina

Quando era cortada a eletricidade, o que não raro - ou por mero raio - acontecia, a lamparina era quem nos socorria. Velas, até belas, de Santa Rita, já havia, mas neca delas, quando no escuro, apalpando a gaveta, vazia se a sentia.

A hora era, sem espera, quase quimera, da luz vera. E exalando querosene, bruxuleante, ei-la lá, lamparina exultante. Seu pretume, sua forma desengonçada, seu pavio desgrenhado, o cheiro nauseabundo, era tudo perdoado por aquele momento iluminado.

E a vantagem é que nenhuma ação de firmar a vista era permitida, dali, neca de dever de casa, escrita ou leitura sob aquela humilde vilegiatura. Tempo pras brincadeiras, de projetar na parede tenuemente alumiada as sombras das mãos, fazendo macacada, ora um cão, ora outra pataquada. Até nos pegar o sono, da noite dono.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 18/09/2014
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