contato imediato com o curupira da juréia

O mar, centenas de metros abaixo dos meus pés, debulhava-se ao bater no imenso rochedo, moldando pacientemente o penedo. Vagueando o olhar à esquerda, o contraste: A imensidão da orla onde ondas serenas, dengosas, espumejavam na areia da praia mourejando um discreto lamento, como ovelhas balindo. Nem parecia o mesmo oceano. Às minhas costas, o verde pujante da mata fechada ondulava por entre picos que pareciam tocar o céu, serpenteando por entre vales que se assemelhavam a caminhos encantados, que certamente levariam a algum reino mágico, escondido nas profundezas dos grotões. Quanto mistério!

Sorte minha ter desviado da trilha conhecida, utilizada pelos que se aventuram adentrar na inexplorada mata da Juréia. Quando já imaginava estar perdido, seguira o rumorejar da água que se ouvia ao longe, até chegar à imensa clareira à beira do penhasco.

Inebriado por tanta lindeza, esquecido que teria de procurar o caminho de volta, perdi a noção do tempo...

Assustei-me ao ouvir o farfalhar das folhas secas... Pisadinhas leves tão proximamente... Não tinha como fugir; se fosse onça estaria frito! O Coração disparou... A ramagem abriu-se... e...e...e... Fiquei de boca aberta! A figurinha que surgiu à minha frente era meio bicho, meio gente!

Paralisado, nem piscava ao ver avançando a passo miúdo em minha direção, a figura, de cabelos emaranhados, aparência de um jovem forte e saudável até a cintura, e, para baixo uma espécie de animal peludo com duas pernas, os pés virados para trás! Era uma junção estranha de humano e animal. Segurava em uma das mãos uma lança de madeira, pontuda... Achegou-se, cutucando-me com a ponta da lança, empurrando-me em direção ao penedo. Empinou o nariz, cheirando... Baixou a lança... Volteou... Encostou-se numa pedra maior, olhando-me com olhar complacente...

— Cê, vai ficá aí com essa cara de besta, até que hora?, destampou a falar a figurinha esquisita, num português simplório, porém, claro e compreensível. – Fique carmo que já percebi que cheira gente de bem. Tô te seguindo desde que perdeu a trilha c’os home usa pra entrá na mata grande; na vorta perto da pedra do portal cê pegou a picada dos bicho ao invés de virar pro outro lado e perdeu o rumo. Aqui é muito perigoso procêis humano! Ou bicho come, ou nóis cutuca até eles se esborrachá lá em baixo. Basta só percebê que é gente ruim. Sai daí da berada do precipício, senão é capaiz de escorregá no próprio mijo e despencá lá pra baixo, aí não há curupira que dê jeito!

Olhei para o lado, e gelei, mais ainda do que já estava, ao constatar que bastaria só mais um passo para cair! Seria morte certa! Dei alguns passos até ao meio da imensa laje de pedra, sem tirar o olho do bicho gente, mas, percebendo que a agressividade do primeiro contato tinha se dissipado, fui-me tranquilizando e já aguçando minha curiosidade.

O talzinho sentou-se em uma pedra e... – Ih! Ih! Tá todo mijado! medô, hein! Sossega, senta aí, vamo proseá, disse, apontando com o beiço largo a pedra em frente, e já colocando na boca um cachimbinho.

– Você é quem? Arrisquei, constrangido, ressabiado e agora muito curioso.

– Primeiro se explica, veio fazer o quê, exatamente, por estas bandas?

– Bem... Tentei falar alguma coisa, mas estava travado: nas pernas e nas idéias.

– Tá bom! Num precisa falá, dá pra vê que tá quase morto de medo! Eu já entrei no seu pensamento e li tudinho, tenho esse poder. Veio se escondê dos problemas, mas não adianta não, eles vem junto. Aqui o lugar é bão pra esfriá a cabeça. Aqui na rampa é muito bonito, mas é perigoso.

Mais calmo e sentindo que o tal era boa gente, apesar da feiúra, perguntei: – Se você não e gente, nem bicho, o que é? O que faz aqui? É inteligente...

- Curupira! Esse é o nome que nos deram os bugres moradores mais antigos destas matas, desde muito antes dos portugas chegarem, respondeu cachimbando sorridente, enquanto brincava de soltar baforadinhas de fumaça em formato de argolas, que viajavam enfileiradas e aos poucos iam se dissipando no vazio do precipício.

– Mas, quem são vocês?, insisti, intrigado.

- Não costumo expricá pra ninguém, isso não. Mas acho que tá na hora de alguém sabê, mesmo porque se ocê contá ninguém vai acreditá! A frase foi continuada com uma sonora gargalhada.

– A terra, explicou, agora mais sério e sereno, tá numa estrada intergalática, e, e por aqui foram instalados vários portais dimensionais. Pro cê entendê, é aqui que se faz a baldeação de uma estrada para outra, num espaço de tempo dentro do universo que vocês humanos bestas tão longe de conhecê. Os curupira são os guardiões destes portais. Estão localizados em montanhas no meio de densas florestas, como aqui. Nosso povo foi escolhido porque usamos a telepatia para nos comunicar e porque temos muita facilidade em nos adaptar . Vivemos em completa harmonia com o ambiente em que estamos. Porisso somos meio gente, meio bicho. Nóis aprende a fala dos bicho e a da gente do lugar Mas podemos mudar, se quiser. Dito isto, virou e desvirou os pés várias vezes, com vertiginosa rapidez. Nosso povo gosta muito de brincá, por isso, vivemos fazendo estrepolias, e falamos a fala caipira que é muito engraçada. eh!eh!eh!

Sério mesmo é só nosso trabaio de passá mensagem telepática avisando se tem intruso por perto,se podem aterrisá ou decolá, ou não. O serviço de protegê as floresta e os animais é só por diversão, eh!eh!eh!.

– Falando em trabaio, emendou, tá na hora do cê ir embora, tá sentado bem no caminho da chegada das naves, o portal ali na pedra da montanha em frente vai abrir já, já.

– Eu poderia ficar para ver ... Arrisquei, quente de curiosidade.

- Cês humanos são muito atrasado. Tem mais gente ruim do que gente boa. Estragam tudo pensando em riqueza material, um dia, quem sabe, vai sê convidado a entrar no portá, agora não. E vai levantando que vou te levá pro caminho pra você descê a montanha em segurança..Vai! Avie! Dito isto, assoviou, um assovio fino, agudo, que me deu a sensação de tê-lo ouvido em outras ocasiões.

Dois imensos catetos surgiram do nada, batendo as queixadas levemente, fazendo um barulho engraçado e causando arrepios.

O Curupira pulou no lombo de um, me mandando fazer o mesmo no outro porco-do-mato e me segurar na densa pelagem do cangote do animal.. Tão logo montei saíram, os dois, em disparada, percorrendo caminhos totalmente desconhecidos em meio à densa mataria, atravessando grotões e pequenos túneis entre pedras imensas. Grudado no pescoço do animal selvagem, olhos estatelados de medo, via abismado que o Curupira dava saltos no lombo do outro animal, ora ficando de frente, ora de costas pra me olhar, num equilíbrio perfeito.

Dada a grande quantidade de pequenos caminhos que se convergiam, pude apenas perceber que, sem ajuda, nunca sairia daquele lugar. Cinco minutos de carreira e desembocamos numa trilha mais larga. Pela brusca parada dos animais eu me vi arremessado na relva macia que coloria a sombra dos grandes arvoredos. Saíram em disparada, morro acima.

Enquanto tomava o rumo da cidade, descendo a montanha, ainda ouvi a risada zombeteira e o silvo agudo do tal Curupira da Juréia.

Já no sopé da montanha, enquanto parava um minuto para recobrar o fôlego, ouvi um estrondo, parecendo trovoada. Olhei para cima e vi uma luz extremamente forte, tons azulados, emanados de algum ponto da floresta.

Tal é o descrédito dos meus relatos, que hoje já nem sei se tudo não passou de um sonho, ou se realmente vivi a experiência de um contato imediato com o Curupira da Juréia.

OSWALDO DE SOUZA
Enviado por OSWALDO DE SOUZA em 18/09/2014
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