Minha criança

Deveria ser umas 3h da tarde. Estava deitada vendo algum filme. E me empanturrando de guloseimas. Ai, que vontade de fazer xixi. Vou ao banheiro. Nem bem volto ao colchão, a vontade novamente. Vou ao banheiro. Nem bem volto ao colchão e tento me deitar, o xixi começa a vazar sozinho. Epa. Estarei eu com algum problema? Uma pessoa que não segura a própria urina não pode estar em sua saúde plena. E então eu espirro, e o xixi sai de novo.

Ai. Tô morrendo. Só pode. E a gordura que não me ajuda a levantar direito? Morrer com essa barriga enorme e fazendo xixi? Não. Não posso. E pior, sem ninguém para me acudir.

Levanto-me, vou ao banheiro pela milésima vez, agora, a roupa está toda molhada. Telefono para a primeira pessoa que deveria mesmo telefonar. E não sei o que falo. Só sei que ele chega mais assustado que eu. E também achando que havia algo errado (será que ele também achava que eu fosse morrer?). A gente discute, sem saber o que está acontecendo. Vamos ao médico. Já deitada, na clínica, o médico diz: é, minha filha, chegou a hora.

Hora? Que hora? Hora de quê? Não fiz as unhas, não fui ao salão. Pior, não arrumei nem a mala. perae, doutor, ISSO e ESSA hora só se daria no mês que vem. Que isso???

_ Pois é, parece que a mocinha resolveu vir um mês antes.

É o caos. A hecatombe. Não tô preparada para um mês antes. Eu ainda iria me preparar, eu ainda iria conversar com ela, dizer como é o mundo. E eu ainda iria terminar de comer o pacote de batata frita, a goiaba, o pedaço de pizza, e a caixa de bombons. E eu ainda iria comprar as lembrancinhas... Meu DEUS! Ela não tem lembrancinhas!!! E eu ainda iria terminar o enxoval... E ainda iria... E caí no choro.

_ Leve-a ao apartamento de número tal. E você, pai, me ligue. Vamos aguardar. Isso deve demorar ainda algumas horas. Eu vou esperar pelo parto normal. Mas pode me ligar se houver qualquer problema. Viu, pai?

_ Ei, doutor. Sou eu que estou morrendo. Tem alguém aqui em desespero. E tá doendo!!! Ei!! Doutor?

E o doutor sorriu e foi embora.

E já eram umas 17h ou mais enquanto tudo ocorria. E meu mundo caía. No meio do caminho, vários telefonemas, avós, tios, primos. "Quero todo mundo aqui, vou morrer... Quero a minha mãe!!!!!

E uma das tias: segura até amanhà para ela fazer aniversário no mesmo dia que eu!

E eu: segurar? Vou morrer, tô morrendo. Era para ser no mês que vem.

E enfermeiras felizes. E todo mundo sorrindo. E o pai sai, depois chega com um pacote de trezentos quilos de lembrancinhas: "não sabia qual escolher, comprei todas da loja, e já preguei na porta um laço rosa avisando que ela ta chegando"....

_ Ei, alguém entende o que está acontecendo por aqui? Eu tô morrendo!!

E as enfermeiras: "ah, essas mães frescas de primeira viagem"...

Pois bem, e foi mais ou menos assim... ela veio, um mês antes do previsto, sem unhas, sem cílios. Esses "arremates"eram para o último mês, mas ela veio antes. Cabelos negros, pele branca igual papel e lábios vermelhos. "Minha Branca de neve"... - pensei.

Era eu uma criança. Mas que já tinha outra criança.

(E eu sei, minha Branca de neve. Você vai crescer, vai ser linda, de cabelos negros e lábios vermelhos. Mas isso não é importante, tanto quanto o fato de que você vai crescer, e ser sempre muito abençoada.

Não fui eu quem decidiu a hora e o dia de sua chegada. Foi você junto com o Criador.

E assim o será em tudo na sua vida. Você e o Criador, juntos, em todas as horas, as chegadas e tudo o mais em sua vida).

Eu? De coadjuvante.

E não morri. Muito pelo contrário.

Sua vida, em muitos momentos, me faz mais vida.

Adriana Luz - em quase 18 de setembro de 2014

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