Que é feito do Dorinato?

O primo Zenrique aparecia lá em casa de vez em quando. Vinha de São José Varginha, hoje cidadezinha, mas antes, mero arraial. Ainda rapagote, já viajava sozinho, era bem falante, de expediente. E contava suas lorotas.

Hospedava-se na casa de Vovó, nossa vizinha, e tratamento privilegiado era o que tinha. Tia Rita lhe reservava um quarto, botava-lhe jarro esmaltado e baciinha para as abluções, além da roupa de cama e banho limpinha e engomadinha.

Quatro anos mais jovem, e ainda pirralho, minhas contorções pela atenção do primo sempre se baldavam. Mas eu não me dava por vencido. Ficava beirando. Só de atrevido. Ainda que esquecido.

Um belo dia ele, acabado o café da tarde, servido com bolo e biscoitos de polvilho, ele se dignou a nos ensinar como caçar à mão mosquitos que disputavam as migalhas do repasto. Seu truque consistia na concentração, feito a aranha mosquiteira, e o ataque traiçoeiro, pela retaguarda, rápido, implacável, até fazendo uma curvinha com a mão que vinha. E não falhava. Era zás e trás.

Contava pras tias suas peripécias com cavalos, com colegas, suas farras, suas refregas. E pelo tom de sua voz, a vizinhança na certa podia também acompanhar suas aventuras. E as moças já davam sinais de sua presença, mandando recadinhos, piscando olhinhos e outros gestos menos ou mais comezinhos. Afinal, o primo Zé levava um jeito, ainda que juvenil, daquele que como o vento, levara o coração de Scarlett O´hara, o Clark.

Um dos que mais padeciam em suas descrições era o Budega, um pobre coitado que vivia vagando pelas quebradas varginhenses. Tinha alguma deficiência e aparentemente, era a rua, sua residência. Outro muito falado, e aparentemente respeitado era o Dorinato. O tal Budega, cheguei a ver uma vez, brevemente, num passeio nosso à Varginha.

Justificava a fama, e seu drama. Já do Dorinato, nem rastro notei.

Anos depois, no Seminário em Divinópolis, onde me enclausurei por dois anos, vi sinais do Dorinato inscritos no pátio da instituição. Era só o nome. Não cheguei a indagar aos colegas veteranos lá, provindos do Pará de Minas, ou de Florestal, cidades vizinhas de Varginha, se aqueles registros haviam sido feitos pela personagem dos contos zenriquianos, se ele, ou um seu homônimo havia também passado pelo seminário. Não sei porque razão deixei de inquirir ao longo daqueles

dois anos, que davam bem uma visão da eternidade. Principalmente quando se iniciavam as infindáveis litanias de maio, as Rogações.

Quarenta e tantos anos depois, sem paradeiro certo do primo Zenrique, sem a destreza doutrora pra caçar mosquitos, e sem Vovó ou as tias que nos cercavam com afeto, volto a procurar pelo Dorinato. Sei que pelo menos após a publicação deste texto hei de encontrá-lo, sempre que acionar o mecanismo de busca deste sítio. Junto com o Budega - e o primo Zé.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 17/09/2014
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