O arado

E José..quando, de repente, arando o roçado, sob o sol escaldante, percebe que, no movimento de seu instrumento, tira a vida de uma pequena lagarta... Olhando para ela, aquela criatura singela e frágil, lembra, também, de quão efêmera é a sua existência. Sabe que, a qualquer momento, por um toque do destino, poderá não mais partilhar seus afetos com os que dividem seus anseios e alegrias. Pensa na esposa, Laelia, e nos seus seis filhos. Começa a se perguntar se escolheu estar ali, naquele momento, executando aquele trabalho, ou se a vida o teria empurrado sem que houvesse escolha. Em meio a reflexão, resolve repousar um pouco. Bem próximo, por trás do cercado, havia um umbuzeiro, encosta a ferramenta, e senta, apoiando as costas no caule. Esfrega o suor de seu rosto, e ,agora, com olhar no horizonte, começa a refletir se teria sido uma boa pessoa, um bom pai, um bom esposo... lembra de seu jeitão de “bicho do mato” ao tratar suas crias. Amava-os, e era recíproco, as crianças eram pequenas, mas entendiam que o pai não tinha culpa, a vida havia ensinado a ser daquele modo, foi lapidado. Tinha muita fé em Deus, era devoto de São Sebastião, santo guerreiro. Imaginou o pós-vida, será que iria para o inferno, purgatório, céu... e o julgamento? Lembrou das coisas erradas que cometeu durante sua jornada. Algo atrapalhou sua imaginação, escutou um grunhido, virou a cabeça energicamente, avistou no poleiro, que se encontrava ao lado de sua pequena casa de barro, um gato maracajá que saciava sua fome destroçando uma galinha. No entanto, José não esbouçou nenhuma reação, apenas ficou inerte observando a natureza. Refletiu que, talvez, como aquele felino, tenha seu lado instintivo, e que, quem sabe, em relação à sobrevivência do mais forte, a vida tenha exigido uma atitude feroz de sua parte. Esperou que Deus o perdoasse... levantou, bateu as calças sacudindo a poeira, pegou o instrumento. Voltou a trabalhar.