CLEÔMENES E A RAINHA DA MALANDRAGEM
Era comum, antigamente, as pessoas ostentarem nomes um tanto ou quanto esquisitos. Conheci várias delas e ainda lembro dos nomes que haviam recebido na pia batismal.
Perto da minha casa morava um sujeito, gordo e meio careca, que atendia pelo nome de Arquimimo. Além do nome estrambótico, tinha uma filha que era um desacato; toda ajeitadinha, da cabeça aos pés. Até o pároco do bairro virava a cabeça para olhar as pernas que escapuliam da reduzida minissaia.
Na mesma rua morava uma senhora que nunca deixava o vestido preto com bolinhas brancas. A pobre era conhecida como “Dona Mariquinhas”. Seu marido, um amanuense da Leopoldina, era conhecido, no botequim do Bira, como “Seu Atiklides, “Tiki” para os mais íntimos. Era louco por uma partida de “buraco” e tinha fama de pilantra, dos mais safados... Também azarava, com os olhares, a Lurdinha, filha do Arquimimo.
Na meninice, uma das minhas professoras mais queridas era a D. Otelina, que fazia questão de assinar Otelina Pinto Sette, por fazer parte de uma família importante do Rio de Janeiro. Dava aulas na Escola Alberto Barth, lá na Av. Rui Barbosa, quase desembocando em Botafogo, nas barbas da estátua do Almirante Tamandaré.
Quando fazia o meu tempo de serviço militar, conheci um coronel cujo nome de guerra era Rodopiano. No mesmo quartel tinha o Astrogildo, um
Setembrino, um outro Emerenciano e uma funcionária da Tesouraria, mais feia do que a necessidade, que ainda por cima chamava-se Cordonilda, mulher de um paraibano conhecido como Hermenegildo.
Até hoje não entendi bem o motivo que levava os pais a batizarem seus filhos com nomes assim. Se fosse nos nossos dias, imagino que todos seriam alvo de “bullying” e chacotas pela vida afora, principalmente, pelos corredores do ambiente escolar.
Pois bem! Dia desses, em pleno Século XXI, fui comprar uns filés de tilápia no “Comper” da cidade e, após escolher um pacote da marca que me interessava, dirigi-me todo posudo em direção a um dos caixas destinados às pessoas maiores de 65 anos de idade. Lá pelo canto esquerdo da fileira de caixas havia três delas com o informativo “Preferencial”.
Escolhi a que aparentava ter menos gente à espera e cuidei de enfileirar-me atrás de uma mulher bunduda que empurrava um carrinho com suas compras. A mulher tinha, no máximo, uns trinta anos e estava enfiada numa calça jeans uns dois ou três números menores do que o devido. Daí, o exagero na protuberância glútea.
No carrinho, misturado com a lataria, sacos de pão, verduras e outras embalagens costumeiras, um menino de uns seis anos, aboletado, fazendo caretas e dando uns gritinhos de quem queria ser alvo de atenção.
Pensei comigo: Que diabos de merda essa gente, tem na cabeça, para se dar ao desplante de vir para o supermercado atrelada a uma criança desse tamanho que só serve para encher o saco, num lugar como esses?
A resposta veio automaticamente: Fazem isso para assegurar o direito indevido a passar suas compras num dos caixas preferenciais. Assim, além de ganhar tempo, livram-se da encheção de saco de terem que ficar esperando a vez de passar as compras.
Essa atitude, no fundo, revela o total desinteresse pelas posturas da legislação, em especial a que prevê facilidades para as pessoas maiores de 65 anos de idade, portadoras de necessidades especiais e gestantes. Para esse tipo de gente, a burla é uma “vantagem” que logra sobre os de direito ao benefício. Danem-se a educação, a ética, o respeito! Primeiro eu, segundo e terceiro, eu também! Para eles, a “Lei de Gerson” é a que vale!
Acho isso um logro, uma atitude nada honesta, porém, politicamente correta, se o moleque tivesse até cinco anos.
Pois é! O guri era tão chato com os seus gritinhos que até a mãe não aguentou e deu um berro olhando-o com feições raivosas, já com a mão em riste, espalmada, quase a ponto de desferir-lhe uma bela tunda.
Cala a boca, Cleômenes! Você não vê que já está enchendo o saco com essa gritaria desatada? Se der mais um grito desses vai levar uns tapas aqui, na frente de todo mundo!
Pensei, comigo mesmo: Puta que o pariu! Cleômenes? Como é que foram colocar esse nome no guri, em pleno Século XXI? Porque diabos foram escolher esse nome de personagem da História Espartana? Será que os pais são professores de História ou, até mesmo, dedicados ao estudo das peripécias daquela gente da Antiguidade Clássica?
Cleômenes-I, reinou entre 520-490a.C. Era filho de Anaxândrides-II. Cleômenes-II, ?-309a.C., filho de Cleâmbroto e, Cleômenes-III, 254a.C-219a.C. era filho de Leônidas com Cratesicléia, todos figuras da realeza Espartana com nomes bem distantes dos Joões, Josés, Joaquins e Silvas dos dias de hoje! Putz!
Bem! Seja lá como for, um Cleômenes cuja mãe usa expediente como o mencionado para passar em um caixa ao qual não teria direito, por não se enquadrar nos dispositivos da legislação, já nasce bem distanciado da realeza e da dignidade dinástica.
Ainda por cima, ninguém jamais imaginaria ver um rei menino com o rabo assentado em cima das compras de um carrinho de supermercado, berrando feito cabrito desmamado, querendo ser visto a todo custo.
E, finalmente, que droga de rei é esse, cuja mãe, uma rainha da malandragem, filha de um Silva das Quantas, que não se sabe como veio aparecer no Distrito Federal de um país em que não há monarquia, mas onde o povo tem que levar vida espartana para se defender dos ataques perpetrados pelo próprio governo e pelos reis da improbidade política que infesta o Estado.
Como o “bullying” é modismo do final do Séc. XX e início do Séc. XXI, que o dito Cleômenes, filho de uma rainha da malandragem, seja alvo permanente da gozação da molecada do Maternal, do Fundamental, do Ensino Médio, da Faculdade, se passar no vestibular, da rua, do quarteirão e que leve o pau em todas as provas de História da Antiguidade...
E, finalmente, quando voltar ao supermercado com sua mãe bunduda, que a maquininha do caixa recuse a senha da infeliz e seu cartão de crédito fique emperrado... Argh!