O TESOURO NO QUINTAL DO VIZINHO

O TESOURO NO QUINTAL DO VIZINHO

Certa vez, encontrei no quintal do vizinho, o que restou de uma ave. Era um pássaro grande, de garras e bico retorcidos, o cadáver ainda coberto por penas, mas do bico intacto e afiado. Era um lugar misterioso, vasto e com várias árvores que as cigarras se juntavam no fim de tarde para cantar.

O vizinho era um senhor solitário, que sumia e aparecia sem dar avisos. Tinha o rosto bondoso e gostava de conversar. Exalava tanta confiança que ousei lhe perguntar sobre o boato que algumas pessoas haviam visto labaredas de fogo escapando pelo quintal e garantiam que aquilo era provocado por um tesouro enterrado entre os enormes pés de árvores. Não entendi a relação entre o fogo e o tesouro.

Tezouro

O senhor do quintal tentou me explicar, na sua fala mansa, as palavras saindo sem interrupções, dando-me conta que os vizinhos pensavam se tratar de algo sobrenatural, que chamavam de enterro. Achei estranho: enterro, para mim, era sinônimo de velório e em nada lembrava tesouros. Ele percebeu minha falta de jeito e tentou desvendar: “Os povos antigos enterravam fortunas em moedas dentro de um caixote, geralmente abaixo de uma grande árvore para marcar o local. Faziam isso para economizar e escapar de roubos”.

Ele falava e eu prestava atenção. Meu rosto ainda refletia dúvidas: Mas por que eles não desenterravam depois? Ele não demorou a responder no habitual riso no rosto enrugado: “Porque morriam antes.”, esclareceu, dando fim à prosa e foi cuidar do cachorro perdigueiro, um bicho tão manso que não ligava nas vezes que eu, sorrateiro, invadia o quintal e dava de frente com ele.

O que o velho vizinho não imaginava é que enquanto contava a história, eu ia formando diversas teorias. A minha mente infantil entendia o enterro, mas não o fogo. Dona Dalva, minha mãe, que via coisas que ninguém percebia, explicou: “São os fantasmas que ficam protegendo o enterro.” Passei várias noites cuidando o quintal do vizinho, mas não vi o tal fogo.

Dai me lembrei daquele pássaro que estava se decompondo, fui até lá e apanhei o bico da ave, que saiu fácil por entre a carne podre do animal. Suportei o cheiro da carniça que me invadiu as narinas e o bico se transformou numa ferramenta que serviria para o meu intento: furar o chão em busca do tesouro. Como não sabia o lugar exato, resolvi agir por instinto.

Desconfiei primeiro do pé de jatobá, cavouquei em volta dele e tudo que encontrei foi uma furiosa ninhada de marimbondo. Então imaginei que as três jaqueiras no lado esquerdo guardavam segredos. Cavouquei até que lastros de suor caíssem do meu rosto e o bico da ave se quebrou. O dia foi acabando e voltei para casa de mãos vazias e o sonho desfeito.

Hoje o quintal é um grande edifício, há pessoas no lugar de pássaros e árvores. Passo por lá às vezes e fico olhando de soslaio, ligeiramente curioso, à espera de uma faísca de fogo, que não surge, provocando na minha alma alguns lamentos.