A abelhinha

Antes de sair, deparou-se com a abelha acuada na janela de vidro baço. A pobrezinha debatia-se com as asinhas magoadas das pancadas amorfas. Teve de detê-la. Colocou-a num pano de prato ao redor de seu corpinho gorducho e amarelo, enrodilhou-a- no centro, e zás! Conseguiu premeditamente acolhê-la dentro da sua turva observação: As abelhas são importantes insetos na polinização de diversas flores, e de quebra, nos dá o melhor dos méis, dos própolis, das ceras e da geléias reais. Mas a sua picada é deveras dolorosa, o seu ferrão venenoso é injetado na sua vítima sem dó nem piedade. Diante de tais observações assíduas, teve vontade de arrancar-lhe as asinhas e quebrar o seu pescocinho pensando na dor insuportável que aquele animalzinho poderia cometer. Mas, pensando bem e bem melhor do que tudo, as abelhas rainhas são as mulherzinhas do pedaço. A única função dessas adoráveis criaturas, lindas e formosas - como dizia anteriormente - é a postura de seus ovos. E a única função do abelhudo macho é fecundá-la. Apenas isso e mais nada. Depois o bichano é jogado à pontapés pelas abelhas operárias para fora de casa e os malandros morrem de frio e de fome, isso quando não morrem triturados pelas mesmas (sempre tem um garanhão metido a esperto querendo se dar bem lá dentro do apartamento das moças).

E dentro desses devaneios a campainha soou nervosa. Fora olhar no olho mágico e viu a figura pançuda daquele crápula, sim, ele era um crápula. Coçou a cabeça e foi verificar no "Pai dos Burros" o significado da palavra tão horrorosamente linda: adj. Cujos hábitos (costumes) não seguem regras determinadas; desregrado.

Brasil. Que não possui escrúpulo(s); canalha.

s.m. e s.f. Pessoa cujos hábitos não seguem regras determinadas; devasso.

Brasil. Quem não tem escrúpulo(s); patife ou canalha.

s.f. Modo de vida libertino; devassidão.

P.ext. Reunião de indivíduos que se comportam de maneira libertina.

Falta de regras no desenvolvimento de determinados hábitos; exagero na ação de beber, comer, jogar etc.

(Etm. do latim: crapula.ae)...

Como assim? Ele não era nem a metade disso, mas um inteiro de tudo e mais um tanto.

Rezou angustiada para que aquela figura mitológica sumisse de vez. Mas o diabo quando anda a solta é fogo!

- O que você quer? Estou muito ocupada agora.

- Só vim aqui pra pegar uns livros de botânica que esqueci.

- Ah, tá bem. Já os trago.

(Em 10 minutos juntou-os numa pilha e colocou-os dentro de uma caixa de papelão mulambenta).

- Toma, pode levar!

- Mas, será que podemos conversar um pouco?

- Nem mas, nem meio mas... por favor, vá embora!

- Mas, Marcela, eu... eu quero me explicar com você... eu preciso falar... ando tão angustiado, tão amargurado que....

- Deixe de cinismo, seu crápula (que palavra bem empregada, crápula!). Ninguém me contou, eu vi com os meus próprios olhos que a terra há de corroer um dia. Eu vi o que você fez!

O crápula chora...

Ela percebera o quão grosseira tinha sido. E para amenizar a dor daquele crá... sujeitinho, ofereceu-lhe água com bastante açúcar, um melaço de dar gosto. E a abelhinha "De grátis" bem lá no fundo, desnorteada pelo sufocamento do pano de prato, agora embebida numa mistura docinha, num copázio até a borda.

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 15/09/2014
Reeditado em 15/09/2014
Código do texto: T4963293
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