Gato cronista *

Sou gato. Está na cara, nos olhos azuis, no corpo peludo. Não posso negar esse óbvio. Sei que não posso, porque, em abundante vaidade já tentei negar, mas sai-me pelos poros todo esse viço.

Como todo animal, tenho faro, mas sou ousado, abuso e preciso transpor os limites, a fim de saber o que permitem, ou não, a um gato da minha laia.

Não trepo em qualquer cantinho; lugares vulgares não fazem meu gênero; não sou vira-latas e tenho estilo. Sou um gato de bom gosto, ligeiramente reservado e de coração benigno. Meu nome é... Gato!

– Gato!

Ouviram? Eu disse que me chamam Gato. Adiantaria negar, se a fama brada à minha porta? As gatinhas me adoram, miam por mim. Atualmente o que me inquieta é ter encafifado que não vou envelhecer.

– Gato!

– Já vou! – abri a porta e dei com Mariana.

– O que foi lindona? Não grite assim, que acorda a vizinhança.

– Quem tá aí contigo? – Ela perguntou, enfiando a cabeça pelo vão da minha porta, interrompida pelo meu atlético físico. Voltou-se a posição anterior e mordiscou uma unha, já quase em sangue.

– Ninguém tá lá dentro, Marianinha. Você é muito possessiva, para uma lindeza.

– O que tem a ver?

– Tem a ver, que tanta formosura, minha paixão, não devia lhe permitir tamanha insegurança.

– Tu não vai me fazer de boba, Gato. Se papai souber que tu anda me traindo, ele arranca teu couro com água quente! Além do mais, sou cobra criada! – advertiu-me e abaixou a mão; cessou parcialmente o sibilar (não o vadiar). Num repente, apalpou meu órgão identificador. Saltei para trás.

– Que isso, mulher?!

– Vai ficar sem ele, se me chifrar. Ouvi você falando com alguém. Eu ouvi. Só não vi quem era. Tava no corredor, e se enfiou numa dessas tocas aí? Tem mais ap nesse prédio do que cela em presídio estadual – murmurou em meu ouvido, a aprendiz de serpente.

Em sua pouca idade, já dominava a arte do amor profissional. Disso, o pai dela não sabia. De mim, ela não cobrava, é claro, pois que sou eu lindo, gostoso, a meta, o Gato! Sei o que sou: um felino garboso, um prêmio para algumas privilegiadas gatinhas. Nem ligo, se invejosos me acusam de gabarola, se elas atestam diariamente meu valor. Os invejosos que se lixem!

* Trecho do livro: ARREBOL, da escritora Maria Montillarez

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http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=82695510

http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/7506496?PAC_ID=18659

http://store.kobobooks.com/pt-br/books/arrebol/Ajtl-ACMKkaYYL6xu0xk4g?MixID=Ajtl-ACMKkaYYL6xu0xk4g&PageNumber=1

http://www.siciliano.com.br/prod/7506496/arrebol/7506496?FIL_ID=102IBA

Boa leitura,

www.iceib.com.br

MARIA MONTILLAREZ. Disponível em: http://mariamontillarez.blogspot.com.br/
Enviado por ROGÉRIO CORRÊA em 15/09/2014
Reeditado em 18/09/2014
Código do texto: T4962903
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