Jardim no além
La belle dame sans merci atacou minha família, aliás, ela ataca a cada segundo inúmeras famílias, mas só sentimos o poder devorador dessa senhora incansável quando ela sopra perto de nós e arrepia-nos dos pés a cabeça.
Há algum tempo, ela entrou em nosso jardim e colheu nossa Rosa mãe... Rosa mãe tinha olhos azul-celeste, uma pele e um cabelo branquinhos que pareciam nuvens, ... também tinha um olhar perdido, não sei bem para onde olhava, pois seus olhos não viam mais a luz do dia, vivia na escuridão imensa das noites intermináveis que se apoderaram dela.
Não era amarga, era apenas triste. Adorava dançar, ouvir música, passear e conviver com os seus, mas a intragável a tragou de forma lenta e malvada...
Nosso jardim ficou sem a Rosa mãe, mas suas sementes e as sementes de suas sementes seguiram com o perfume da Rosa mãe em seus dias.
Agora a malvada voltou, em um golpe certeiro, levou uma semente da Rosa mãe... Ele tinha olhos azul-celeste, uma voz apressada como quem tem medo de perder a vez... uma alegria e uma vontade de viver incalculáveis, mas traiçoeira, enfeitiçada pela beleza, dessa semente da Rosa mãe, não resistiu!
O que consola e talvez nos reconforte foi a passagem dessa semente: ele, já sem sentido, sem conhecer ninguém, chamava:
- Mamãe, mamãe... Aos poucos a voz sumiu, o semblante recobrou a serenidade...
No plano superior, uma mãe puxa seu garotinho assustado pela mão, ele olha para trás como quem perdeu algum brinquedo... Lindas borboletas brincam sobre as rosas e ele corre naquele jardim imenso... Ela olha com um olhar perdido na imensidão...