Entre o rio e o céu

Sentei-me nas pedras, fiquei olhando o rio e o céu, tudo emendado, sem começo e fim, formando um único branco e azul. Foi ali naquelas águas que ele esteve pela última vez. A saudade que deixou é maior do que a imensidão de qualquer rio.

A notícia era de que ele havia desaparecido. Encontraram somente o barco com o motor ligado, sem ninguém dentro, perdido no meio do Rio Tocantins. Ninguém sabia ao certo o que havia acontecido. Incidente sem testemunhas. Mas eu sabia como tudo aconteceu. Eu não estava lá, ninguém me contou, mas posso imaginar.

Na véspera da tragédia, posou para uma foto. Estava sorridente. A imagem que o eternizaria. Ao fundo da fotografia, seu carro, o barco no engate, a praça florida e bem cuidada. O barco, seu último contato antes das águas e o céu. Aquela embarcação foi a única testemunha de suas últimas horas. Nas mãos, as tralhas de pesca. Na face, o sorriso espontâneo, contagiante. O riso de alguém que está indo para uma viagem fantástica e inesquecível.

Antes do anoitecer, chegou ao rio. Divertiu-se, pescou, andou de barco. Na despedida, não planejada, ligou para as pessoas que amava, deixou palavras gravadas na memória e no coração. Postou a sua última foto, limpando os peixes, os últimos que pescaria. O sorriso apareceu como sempre. O riso que deixou saudade, marcas estampadas de uma simplicidade, felicidade eterna.

Naquela manhã, uma sexta-feira ensolarada, acordou para suas últimas horas. Estava cheio de planos: buscar madeira, palhas, construir uma cabana, esperar a família, começar de verdade os dias de férias. Começar, palavra que não sabemos quando acaba.

No meio do rio, sozinho dentro do barco, de repente sentiu-se estranho, bem e mal ao mesmo tempo. Era pouco mais de dez horas. Em meio à vertigem, sentiu alegria e dor, uma mistura de sentimentos nunca sentidos antes. Foi se desprendendo deste mundo, escorrendo lentamente para a água. O alívio de deixar as dores sofridas e causadas, as mágoas experimentadas, ressentimentos cristalizados. Mas também sentiu uma dor imensa, o início de uma saudade dolorosa. Não queria deixar as paixões: filha, mulher, irmãos, mãe, pai, amigos. Já não via mais nada, o rio parecia não ter fim, emendava-se ao céu azul. Como a leveza de uma nuvem a dançar no ar, ele foi desaparecendo entre o rio e o céu, misturando-se com o branco e o azul. Não deixou sinais, nem roupas e nem corpo. Desapareceu.

Sentado nas pedras, naquela tarde de sábado, descobri que não é só a água que pode afogar uma pessoa. Têm muitas outras maneiras de se afogar. A busca descontrolada por uma pessoa desaparecida. A sensação de impotência diante da natureza. A vontade de encontrar o amigo submerso nas águas. O desejo de ouvir a voz que sumiu. A saudade também pode nos afogar.

(Texto publicado no Jornal Diário da Manhã, GO, no dia 13/09/2014)