OS ESTRANHOS DO CORTIÇO
Ao acordar as coisas acontecem automaticamente: ir ao banheiro, tomar banho, escovar os dentes, fazer o café e por fim, sair rumo ao trabalho. Porém, antes disso, no percurso até chegar ao meu destino vejo cada coisa que eu achava que só em filme talvez pudesse acontecer.
Moro num prédio de seis andares, daqueles de periferia, mal construído, meio torto, sem pintura lateral e ainda por cima sem elevador. Tem até um apelido, “Torre da Babel”, tudo porque até parece que chegará ao céu, especificamente o meu “apErtamento” que foi construído literalmente na laje. Dá para ver o bairro todo lá de cima. Diferentemente do resto da rua, onde as casas são todas normais.
E a anormalidade não para por aí não. Os meus vizinhos são mais esquisitos ainda. Impossível não notá-los. Descrevê-los então fica ainda mais fácil, porque simplesmente são dignos de tal arte, por assim dizer. Sempre que posso tento evitá-los, são intrometidos e fofoqueiros. Quando se juntam, pode apostar que irá sair uma rajada de boatos.
Outro dia estava eu tentando fechar a porta quando D. Maria, uma senhora gorda, baixinha e de olhar espantado, vinha subindo as escadas carregando um balde cheio de roupas. Quase não acreditei no que estava vendo. Respirei fundo e fui descendo as escadas, dando de encontro com ela.
_ Bom dia! Falei sem encará-la.
_ Olá moça da laje, bom dia! Já ficou sabendo do Josivaldo? Pegou a mulher com outro no próprio quarto. Dá pra acreditar? – Falou como se fossemos amigas e eu nem sabia quem era o tal do Josivaldo. Apenas balancei a cabeça e segui o meu caminho, imaginando aquelas roupas na porta da minha quitinete.
Mais adiante, já no 3º andar, alguém resolve jogar uma casca de banana bem em cima de mim. Parei, respirei fundo, pronta para fazer algo, quando o tal do alemão apareceu todo desconfiado, olhando para mim, disse:
- E aí? Foi mal. Não sabia que você estava passando mesmo na hora. – Falou como se fosse normal jogar lixo em qualquer lugar.
Revidei:
- Onde já se viu jogar lixo no corredor. Você deveria ter vergonha dessa sua cara de vagabundo, arrumar uma lixeira e aprender a ser educado. - Antes que ele pudesse resmungar, continuei descendo as escadas sem olhar para trás.
No meio do trajeto ia pensando o que me esperaria mais a baixo. Comecei a orar, prevendo o pior e querendo o livramento do Deus Todo Poderoso. Sabia que no 2º e 1º andar morava Andréia e a Marlene. Esta adorava fumar e cantar bem alto com sua voz desafinada, sem se importar com os incomodados. A outra não podia ver alguém se aproximando, para pedir qualquer coisa, fazendo-se de coitadinha. O grande livramento seria eu passar por essas duas passar sem ser notada. Já no térreo, escuto a voz da Andréia, um pouco distante, mas sabia que se referia a mim.
- Ô, moça da laje. Como vai? Tá me ouvindo não? Queria uma ajudinha pode ser? MOÇAAAAAAA!!!!! Gritou feito uma desequilibrada. Neste momento parei e olhei para traz. Não disse nada e segui meu caminho.
O percurso estava quase completo. Encontrava-me há poucos metros do portão. O coração descompassado, ansiosa por chegar logo. Porém, chovia um pouco, o suficiente para molhar-me todinha. Foi aí que me lembrei de que havia esquecido o guarda-chuva dentro da quitinete.
Ai que azar!! – Gritei e o jeito foi seguir o meu caminho na chuva. O diabo é quem subiria lá novamente.
Débora Oriente