FLUTUANDO POR ENTRE AS PEDRAS

Eu sempre tive verdadeira paixão pela levitação. Era tanta a vontade de levitar que estive no Tibete, na terra mágica no monte Evereste. Permaneci algum tempo na mística cidade de Lhasa só para desenvolver e treinar exaustivamente o processo de flutuação de meu corpo.

Conseguia elevar meu esqueleto por alguns milímetros do solo.

Mal sabia eu que um dia teria que praticar isso sem aviso prévio.

Mas lamentavelmente tive que fazê-lo!

Eu a Irene, e minhas duas irmãs Inca e Isa, resolvemos almoçar em Paranaguá passando pela estrada da Graciosa.

Um dos mais belos e históricos caminhos deste imenso Brasil.

Parando prazerosamente, aqui e acolá, pelos pontos turísticos chegamos ao Rio Nhundiaquara. Diga-se passagem uma parada obrigatória. O Rio corre ligeiro por entre as pedras, e se esgueira feliz por entre os cascalhos a se ver envolto por rica e refrescante vegetação.

O rio neste lugar é livre e feliz

Ninguém, neste ponto, resiste à beleza incomparável das margens dele. Todos, quase sem exceção, descem para, entre as corredeiras, pular de pedra em pedra. Outros preferem sentar preguiçosamente em algum rochedo e respirar absorvendo demoradamente a beleza do local.

Às vezes tem mais gente que cascalho, e o acidente inevitavelmente pode acontecer. É comum às vezes dois tentarem galgar a mesma rocha, e tragicamente assim um deles irá se refrescar nas águas frias.

E aconteceu comigo.

Eu queria levitar, mas não daquela maneira.

Desci da estrada ao rio, e me inseri quase flutuando de pedra em pedra, tomando o cuidado para não cair na corredeira, que passava sapeca querendo lamber molhado as minhas pernas.

Até que eu estava me saindo bem no processo de pular de um lado ao outro encurtando distâncias; os anjos me acompanhavam apoiando meu corpo para o não acidental desequilíbrio, mas o imprevisto aconteceu, ou o capeta tomou conta de tudo.

Quis pular!

Olhei diversas vezes, fiz meus cálculos de geometria plana e espacial, calculei os ângulos possíveis, traçando cuidadosamente a trajetória de onde eu me encontrava até a pedra um pouco mais acima. A pedra do desejo estava tomada pela Irene. Nos meus cálculos inclui a variável agarrar o braço dela para ajudar no impulso.

Firmei meu pé esquerdo na pedra à frente para o impulso, e projetei de imediato a perna direita em direção à outra pedra. Meu corpo deixou o local, e ele já estava projetado no ar quando por erro de cálculo ou pela mão maldita do capeta não consegui alcançar o braço da Irene.

Estava simplesmente solto no ar.

Por uma fração de segundos eu lindamente levitava apoiado ainda pelas mãos de meus anjos, mas uma sirene estridente, fina e aguda afugentou os anjos trazendo um bando de capetas, e desta forma me vi miseravelmente solto no espaço.

O grito agudo continuava para alegria da diabada, e eu esperneando senti apavorado que meu esqueleto descia feito um foguete para cima das pedras.

Tentei lembrar as lições que tive no Tibete, mas inutilmente tentei.

E o ruído sinistro fino de sirene fazia com que meu corpo se projetasse cada vez mais desgovernado.

Em questão de segundos meu corpo dançava no espaço projetado para baixo obedecendo cegamente a lei da física.

O meu desespero não era as pedras que se aproximavam, mas a sirene que não parava de tocar.

De repente, em umas das viradas que meu esqueleto deu no vazio, pude ver, lá para cima na beira da estrada, de mãos tampando a boca, a minha mana Inca gritando feito uma sirene. Ainda tive tempo de gritar:

- Pare com essa sirene! E pluft cai de bunda na macies da água.

Rolei de pedra em pedra, agora na macies da bunda, e ouvi consolado, ao me levantar lépido no meio do rio, finalmente o último e rápido agudo grito.

Tudo se fez num mortal silêncio.

E de repente o povo que ocupava a margem do rio aplaudiu pensando que fosse uma performance.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 13/09/2014
Código do texto: T4960758
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