A CANOA DO MEU AVÔ

A CANOA DO MEU AVÔ

Entre meus oito anos ou dez, brinquei muito na velha canoa do meu avô que terminou toda comida pelo cupim e outros insetos destruidores destes objetos de estimação. A canoa do meu avô passou muita gente no Rio Jaguaribe quando ele estava de barreira à barreira. Com a morte do meu progenitor, aquele transporte fluvial ficou como uma coisa sem valor ou inútil. Muitos anos viveu ela presa ao esteio da nossa casa e ao pé de tamarindo ingente. Quase todos os dias eu pulava em cima daquela velha canoa que salvou muitas vidas no Rio Jaguaribe, o maior rio seco do nordeste. A Tia Ana não gostava que ninguém tocasse naquele instrumento de trabalho feito pelo seu pai e meu avô paterno. Não cheguei a ver a nossa velha canoa transportando gente nos períodos de enchente do famoso Rio Jaguaribe que sempre fez muito medo ao povo jaguaribano. Esta obra feita pelo meu progenitor ficou ali como uma relíquia da Família Santiago e também de todos aqueles que conheceram o genitor de meu pai. O meu avô deixou muitas coisas importantes criadas pela sua inteligência de homem sensato e ínclito. Faz muito tempo que não vejo a nossa velha canoa enorme que tanto serviu ao povo de nossa Malhadinha antiga. Quando me lembro do nosso tamarindo amigo, vem-me a lembrança desta velha canoa que se findou ali como uma coisa intocável. Além da gente brincar em cima daquele monte de tábuas que ao mesmo tempo foi um grande transporte fluvial, não podíamos vende-la e muito menos consertá-la. Era uma lembrança da família e pertencia a todos. Em mil novecentos e sessenta, ano de grande cheia, quase que a nossa canoa vai embora. Eu fui crescendo e a nossa canoa foi se acabando, foi se deteriorando até se findar ali no lugar que estava presa. A Tia Marica dizia-me que aquele monte de tábuas eram para se findar no pó da terra como se findou o seu criador: Agostinho José de Santiago Neto. Naquele espólio ancestral ninguém podia por a mão. Até os meus quinze anos eu ainda vi a nossa bela canoa que tanto serviu de condução a todos da família e a muitos vizinhos nossos. Ao viajar como repentista, passei a ficar longe da nossa velha casa e não mais ter contato com aquele transporte aquático. Hoje ainda guardo na memória os dias de minha infância juntinho àquela canoa onde ouvi muita falácia em torno da mesma. A ultima vez, que vi a nossa velha canoa foi em 1980, quando ela estava no seus momentos finais. Diante daquele monte de tábuas comidas, pelo cupim maldito, confesso que chorei muito e me lembrei das minhas tias com quem passeia minha infância e adolescência na velha malhadinha dos meus ancestrais. A tia Ana Rosa me dizia, que á nossa velha canoa, tinha transportado muita gente a beira da morte na cheia de 24. Eu sempre ouvi o senhor Raimundo Elias falar da utilidade daquele transporte fluvial feito, pelo meu Avô Agostinho Jose Santiago Neto e outros autênticos mestres. Das relíquias do meu Avô foi esta canoa que mais me chamou atenção a vida inteira pelo estado em que ela terminou e pelo tratamento que lhe dava a minha família. Quando eu me recordo da casa do meu Avô vem-me logo a mente a nossa canoa e a linda estante onde encetei o meu gosto literário.

Autor: Antônio Agostinho

Poeta Agostinho
Enviado por Poeta Agostinho em 12/09/2014
Reeditado em 12/09/2014
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