A carne é fraca

Comprar carne naqueles açougues antigos, nada amigos, não era nada agradável. Você nunca saía ganhando, mesmo obedecendo cegamente o comando: " Traz uma carne boa" - e aí é que a gente voava e zoava, como até hoje se zoa: como identificar a tal carne boa? E isso aí ainda não era nada, pois convencer o açougueiro na hora do talho, ato falho, é que era uma parada.

Ao fim e ao cabo, dava-se satisfeito por não haver levado um rabo. Mas era carne com pelancas, com sebo e mais impurezas até que nem concebo. E não tinha jeito, senão levar aquela carne feia para casa - e encontrar ainda uma cara mais feia a recebê-lo reclamando da sua ignorância, da falta de tutano pra enfrentar esses magano, de exigir uma coisa melhor pela qual se pagava - e não se fiava.

Isso sem contar as asperezas do habitat onde as carnes eram expostas, em meio àquele cheiro nauseabundo, cães à porta para reforçar o adágio de quanto cão é imundo, a mosquitama que não dava tréguas, vindo de longe, de léguas, só pra depositar as suas varejeiras entre eiras e beiras.

Mas pior ainda era comprar mocotó. Que coisa mais feia, desgostante do que um pé-de-boi, que abatido foi. E levar aquilo pra casa, o casco, que asco, sem embrulhar, a não ser estômago e o povo vendo aquilo tudo, comprado por uma tutaméia que, ainda bem, se redimia, ao terceiro dia - na geléia que a todos comprazia.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 11/09/2014
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