Velhice...

Dizem as más línguas que a velhice é a terceira idade. Outras, ainda mais más e pervertidas, que envelhecemos rumo à melhor idade. Nunca, mas nunca, se estropiou tanto uma verdade impingindo-lhe adereços e bugigangas que visam distorcê-la. Velhice não é pecado e nem motivo de revolta. É, simplesmente, ficar velho, usado, disponível ou descartável. Mas, diriam alguns no mais etéreo dos devaneios: eu estou ótimo, sinto-me como um jovem! Piedosa mentira!

As dores nas costas incomodam; os alongamentos para uma olímpica caminhada de 200 metros embutem riscos de transformá-los em estruturas metálicas; a gota, após uma rodada de camarões regados ao bom e velho - este sim, sempre na melhor das idades – Jack Daniel’s, os fazem pisar em ovos durante semanas. Uma saborosa língua bovina, caprichosamente elaborada ao molho madeira com cogumelos, se transforma no mais incandescente dos mármores do inferno. As articulações são invadidas por uma horda de bárbaras agulhas de cristais levando-os ao desespero. As tais “juntas” incham e, ao menor toque, estrelas brilham sob um sol incandescente. Desafiadores como somente os velhos sabem sê-los, andam aos arrastos como uma carroça com uma só roda puxada por um cavalo não menos manco. Triste!

Mas, nada disso importa. A terceira idade, ou a melhor delas como anunciam os falsos profetas, dá mesmo sua cara feia ao nos descobrirmos numa praça qualquer dando nome aos pombos. Aí, sim, a coisa pega. Uma das artimanhas – e velho é cheio delas – é procurar identificá-los aos casais, o que exige menos esforço. O ideal é que sejam utilizados nomes simples, como aqueles que ainda povoam nossa já não muito confiável mente da terceira, ou da melhor idade. Muito bons, também, são os nomes dos avós, das tias e tios.

Como todo o cuidado é pouco, aqui vai um alerta: nada de buscar nomes em filmes famosos. Nada de Jordan com Maria de ”Por quem os sinos dobram”; nada de Rick e Ilsa de “Casablanca”, de Brad Pitt e Angelina Jolie, de Tom Cruise e Nicole Kidman ou de Robert Pattinson e Kristen Stewart. Armadilha pura; fuja dela como o diabo da cruz. Vai ser um embrulho só e você poderá ser flagrado num boteco pedindo um uísque em nome do De Niro.

Como é fato que nada é tão ruim que não possa piorar, ainda temos degraus para descer, ou para subir. Para os céus? Meio difícil.

Começa a complicar e a exigir muito, pois o raio do pombo chega, come, vai-se embora e o nome nem mesmo chegou. Para facilitar, mudei a estratégia: o que chega cantando, peito estufado, penas brilhantes e orgulhoso parecendo o dono da praça, chamo de Fernando Henrique; o outro, aquele que falta um dedinho na pata esquerda e é danado para roubar a comida dos outros, não sei o porquê, mas chamo de Lula; outros dois, sempre os primeiros da fila, pegando o que é de bom e de melhor são o Sarney e o Renan. Não raro me engano e os chamo de Beira-mar e Marcola do PCC. Tem um que vive pedindo comida ao Lula e que chamo de Collor. E, olhe que no passado o Lula brigava e batia muito nele. Hoje, são amigos e só andam juntos. Ainda não sei bem se foi o Lula que cansou de bater, ou se o Collor cansou de apanhar. Mas, os pombos são assim: imprevisíveis.

Até aí tudo bem e é confusão de velho mesmo. Passa-se mais um quente verão, uma primavera dos ipês, um inverno que dói nas juntas como não doía antes e você já não se recorda mais de quem é quem. Passa a chamá-los de rabo-torto, manquinho, cabeça branca, pretinho e pintadinho. Nesse estágio é só asilo para dar jeito. Mas, você insiste e acha que está em plena forma na terceira ou na melhor das idades e começa a chamá-los, simplesmente, de pombinho e pombinha.

Aí, meu caro, você já estará sendo velado, o enterro pronto para sair e nem se deu conta de que está na terceira, ou na melhor das idades, como queira.

09/09/14

Bellozi

bellozi
Enviado por bellozi em 10/09/2014
Código do texto: T4957273
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