O Último Alfaiate.
A praça da bandeira de “Jerimum citty” ainda é alvo de comentários por parte do povo. As pessoas de fora não entendem porque aquele velho biombo permanece lá. Em meio a prédios antigos e coloridos com fachadas modernas e impecavelmente limpas, está o pequeno biombo que antigamente era conhecido como a alfaiataria.
Um velho de uns noventa anos de idade, ainda vem todos os dias àquele lugar. Abre as portas, senta-se no banco tosco de madeira, cuja cor já deve andar entre o marrom escuro e a cor de sujeira, e espera. Uma longa espera que dura o dia inteiro e já dura muito tempo. Sai para o almoço e coloca na porta a mesma placa que devia colocar antigamente, com as letras tão desbotadas que, só se sabe que está dizendo que é hora do almoço, por causa do horário. Exatas 11 horas, ele sai todos os dias. Atravessa a rua e entra no bar em frente, para tomar um café, antes de procurar um restaurante que, diga-se de passagem, é o mesmo há mais de cinquenta anos. Só que o Restaurante evoluiu. Está grande e bonito como tudo no centro da cidade. Menos o Biombo. Depois volta ao trabalho, ou melhor a espera.
Antes que me condenes pela palavra biombo, talvez achando que estou a diminuir o estabelecimento do velhinho, cumpre-me o dever de descrevê-lo.
É uma pequena casinha de madeira, que mede aproximadamente dois metros de comprimento, por um metro e meio de largura. A fachada esteve algum dia, pintada de verde e hoje em nada lembra o verde cana de antigamente. Na verdade, para ser mais exata, algo entre o marrom e o verde-escuro e não é de madeira. É de tijolinhos feitos à mão e cozidos em forno de lenha. Em alguns lugares se pode ver os tijolinhos, pois já estão a mostra. Alguns, mais cozidos que outros, fazendo um colorido diferente. O reboco, nestes pequenos lugares, já caiu e, não está longe o tempo, em que cairá o resto do reboco. O telhado, feito de telhas de barro em forma de capotes, como os de muito tempo atrás, em que se colocava uma pra cima e outra pra baixo, entremeadas de ninhos de pássaros e limo.
Dentro do casebre, nas paredes, feitas de madeira de lei malcuidadas, estão instaladas prateleiras com ninhos de cupins, mortos pelo velho com querosene, à moda de antigamente. Estão ladeando a parede fileiras dessas prateleiras sujas, que armazenam tecidos que já nem se usa mais, cujos nomes talvez minha avó soubesse dizer. Tudo coberto de poeira, desde que o velho já não aguentava limpar mais.
Ao fundo, duas máquinas Singer e Vigorelli, movidas a mão e pedal, aguardam as costuras que seus clientes viriam trazer. Não há eletricidade. Lá na mesa está o lampião de torcida e querosene. Nunca faltou luz para ele.
Fazia lindas calças com Coz e bolsos forrados, para homens, e ninguém jamais foi tão perfeccionista. Era um belo trabalho. Quantos elogios lhe dirigiam seus clientes! O último, um barão, muito amigo seu, não voltou pra buscar as calças que tinha encomendado para o baile. Foi há muito tempo mas, ninguém lhe avisou que o Barão não voltaria, pois havia se juntado aos seus outros clientes no céu. Ninguém teve coragem. Ele também se recusa a acreditar naquilo que seu subconsciente já lhe avisou há muito tempo. E até hoje o velhinho espera o barão voltar. Perdeu a noção do tempo. As calças do barão esperam também sobre a mesa, que tem no centro do casebre. Cobertas de poeira mas, no modelo exato da moda, da época solicitada.
As grandes empresas esperam a partida do velhinho para comprar o local e emendar aos seus negócios promissores. Disputariam. Ninguém lhe afronta e nem lhe faz propostas. Sabem respeitar o seu amor por seu trabalho. Ele foi o Alfaiate de seus pais, de seu avós ou tios, sei lá. Assim, até o ajudam. Sabem que a velhice não é fácil. Ele nunca se casou. Não tinha tempo para namoricos. Muita costura pra entregar em dia. Pontualmente entregava todas as encomendas.
Nunca trabalhou pras grandes indústrias de confecção. Agora, sem clientes, depende da bondade alheia. Mas não incomoda ninguém. Todos os dias, entra no restaurante e a garçonete o espera com seu prato predileto. Já está tudo combinado entre funcionários e o dono do restaurante(cujo avô, foi muito amigo do velhinho). Todo dia é por conta de alguém. Inclusive alguém de fora, que faz questão de pagar pra ele, sentar-se ao seu lado e ouvir suas histórias.
Até os pássaros da praça, lhe visitam sempre.
Naquele dia, as crianças passaram lá pra ouvi-lo contar histórias de antigamente. Tiraram até fotos dele e do lugar pra trabalhos da escola, pois era um dia especial pra ele. Era dia 6 de setembro. Dia em ele sempre comemorou o “Dia do Alfaiate”.
As cinco horas da tarde o biombo não fechou como fechava todos os dias. O velhinho se emocionou demais. Sentado em sua cadeira de madeira que range, ficou lá, de olhos fechados, até o dia seguinte amanhecer. Ele tinha partido ao encontro de seus amigos e clientes, e virou manchete no Jornal “O Correio de Jerimum citty”, que anunciou na sua manchete do dia: “O fim de uma era.”