A PROSTITUTA EVANGÉLICA
Vendia o corpo para pagar o dízimo. Isto era o que acontecia. Ambiciosa, queria frequentar logo uma igreja que desse visibilidade. Como o Templo de Salomão. Dessas onde se tem que ter um bom lugar para arrumar dinheiro para passar para os cofres da igreja, para comprar roupas e se vestir luxuosamente, portar joias enquanto elas não forem eloquentemente saqueadas e tudo mais conforme manda os estatutos da instituição "pilantrópica". Jesus Cristo se quiser frequentar terá que melhorar muito os trajes. Terá que se calçar adequadamente, trocar o pano cheio de sangue e a coroa que nem é de rubi é sim de espinho. Aliás, é para ele não aparecer mesmo. Se ele aparecer acaba a fé na volta dele que os pregadores cristãos vendem. Bíblias também são permitidas a entrada, mas que não apareçam os fieis com aquelas que não são vendidas nas lojas do templo.
E ela arrumava bastante dinheiro. Era uma fiel disputada até pelas outras igrejas que cobravam royalties para se ouvir uma pregação e ter a mente programada para servir e, com isso, fazer parte do grupo. Deixava Gretchen e Bruna Surfistinha com status de esmoleiras.
O fato é que Aracy Nada Pura estava recebendo o repúdio das colegas de congregação. Tava rolando fofoca de que ela estava sendo privilegiada por causa das vultosas doações que fazia, que tinha pastor... vamos dizer assim: comendo nas mãos dela. E aí, como em todo lugar onde o amor ao próximo é colocado à prova de fogo, o despeito incorporava as fiéis mais comportadas e que não tinham coragem de deixar a matrix evangélica para ser dona do próprio corpo ou pelo menos de noventa por cento dele, já que dez por cento do da puta ia para a igreja, e fazer melhor do que esperar o pagamento do marido pedreiro para separar-lhe a doação insana. E o caos causado por essa relação de disputa tomava conta da casa de oração. Ninguém mais tinha sossego para orar. Aliás, nessas igrejas sossego para orar é algo antagônico demais. Vamos dizer que o barulho que tava tendo não era o apropriado para orar.
Foi, então, Maria da Fé, representando todas as revoltadas, apresentar as reivindicações do grupo à direção da igreja. Pretendia, ela, propor a expulsão da fiel Aracy Nada Pura da assembleia, sob a ameaça de os fieis que ela representava saírem da congregação caso não fosse atendido o que pediam. Foi com medo, pois sabia que a soma dos donativos de todo o levante em comparação com a ajudinha da prostituta nem triscava. E pastor, todo mundo sabe, ricos como são eles querem saber é de dinheiro. Poderia até rolar o rabicó para inteirar, mas Maria da Fé já foi informada pelas outras que estava fora da negociação. Fidelidade ao marido como manda as leis de Deus era o motivo.
Prostrada aos pés do altar, olhando para o alto e vendo seu pregador olhar para ela por detrás dos óculos, Maria da Fé, tremendo, entregou para ele um envelope de dízimo contendo a reivindicação e o nome da meretriz. O homem apanhou da mão dela perguntando "O que que é isso". Naquela casa religiosa os pagamentos são feitos por meio de cartão de crédito ou no máximo depósito bancário para quem estivesse devendo as administradoras de cartão. Que era todo mundo. Não se usava mais envelopes. Ele pegou com nojo o papelote. Era do impresso mais antigo. Ainda com a inscrição "Meu dízimo, fonte de benção" que encobria o que era a verdadeira fonte.
O pregador teve que conter a ira, pois estava ao trabalho. Apenas levantou o braço com o envelope nas mãos e gritou um "aleluia, irmão" de praxe. E, robótico, recorreu à fala dos tempos em que a receita da igreja se procedia assim, com as pessoas entregando envelopes no altar. "Que esta pessoa que nesse envelope constam o nome e a sua reivindicação cubram-se de bençãos". PS: Dei uma ajuda no português para o pastor.
Maria da Fé e as outras se exaltavam aos pulos e aos gritos de "Glória" e de "Aleluia". Elas tinham um pouco de dúvida se o pastor era mesmo um homem de Deus e que suas palavras tinham poder. Não poderiam as bençãos que ao leo ele desejava ao nome contido no envelope se revertessem noutra coisa que não no que prezava a reivindicação. Usaram a estratégia certa. Valeu a pena aprender a única coisa que se aprende nessas igrejas: a ser ardiloso. Logo constatariam se era verdade ou não se o homem cujas palavras elas obedeciam havia tanto tempo tinha mesmo poder. Aracy, sem entender, observou a alegria de suas oponentes e ficou com o cu na mão.
Quem sabe o santo da puta não seja mais forte.