INTOLERÂNCIA

Sexta-feira, 16 de maio de 2004, na periferia de um bairro pobre, vive Jorge Ronaldo Santos, o Jorginho, sua mãe, dona Josélia, e seu pai, João Alberto. Seu pai, um alcoólatra inveterado, vive desempregado e, quando arruma um emprego, perde por causa da bebida.

- Jorginho, meu filho, pelo amor de Deus, vá logo se deitar antes que seu pai chegue, hoje ele deve estar bebendo e sabe como é, quando ele chega em casa bêbado, fica agressivo e quer logo nos agredir.

- Puxa vida, mamãe, por que que o papai bebe tanto? E por que que ele me bate tanto? O que eu fiz de tão errado para ele me odiar assim?

- Não é nada disso, Jorginho, é que seu pai está doente e precisa se tratar. Não é nada com você, ele bate em mim também. A cabeça dele está muito quente, desempregado, ele não consegue pensar no que está fazendo.

- É, mas ele só bate porque a senhora tenta me defender. Eu não aguento mais, qualquer dia desse eu faço igual àqueles homens maus da televisão. - Meu filho, vamos parar logo com essa discussão antes que ele chegue.

- Tudo bem, boa noite!

- Boa noite, minha vida!

Jorginho se recolhe a seu quarto, ele tem apenas 13 anos e já possui ódio no seu coração o bastante para cometer uma tragédia de proporções inimagináveis.

De repente, um barulho chama a atenção de Josélia.

- Jorginho, o que foi isso?

- Mamãe, mamãe, eu juro, não tive culpa, foi sem querer, mamãe. Por favor, mamãe, me leva para a casa da vovó, mamãe, antes que ele chegue.

- Calma, Jorginho, calma.

Jorginho acabara de quebrar os óculos de seu pai.

Um ruído na porta indica a chegada tão temida.

- Josélia, sua p..., onde está você? E aquele peste que estragou minha vida, está onde?

O desespero toma conta daquela mãe, que pres¬sente um mal maior que todos já presenciados naquela casa.

- Vai, Jorginho, finge que está dormindo.

- Cadê você, vagabunda?

- Já estou indo, João, espera um pouco, homem.

- Traz meus óculos!

- Você está surda? Filha da puta!

- É que aconteceu um acidente, e seus óculos...

- Cala a boca, vadia, já entendi, aquele pivete quebrou meus óculos de propósito.

- Não foi de propósito, e nosso filho não é nenhum pivete!

A primeira agressão então acontece, Josélia é atingida com um soco que quebra seu nariz.

- É pivete e desgraçado, se esse monstro não tivesse nascido, eu não teria perdido meu emprego na multinacional e estaria muito bem de vida. Hoje eu acabo com esse estorvo.

- Ao tentar reagir, Josélia é atingida na boca com uma violência tão grande que dentes são lançados pela sala.

Jorginho ao nascer foi uma criança muito adoentada, e, na necessidade de estar sempre o levando ao hospital, internações e transferências, seu pai foi demitido da empresa em que trabalhava e, como já era alcoólatra, sua situação ficou mais grave, passou a ser mais agressivo e cultivar um ódio por Jorginho sem fundamento, pois Jorginho era uma criança formidável, educada e carinhosa, João, sim, era um monstro que não conseguia suportar suas próprias fraquezas e descontava tudo no pobre Jorginho.

- Jorginho, moleque nojento, você quebrou meus óculos só para me fazer raiva, mas vou te dar uma lição que você nunca vai esquecer.

João tirou o cinto e se aproximou do menino que mais parecia um monte de trapo jogado no chão em um canto do quarto, tremia tanto que parecia que todo o quarto tremia, na mesma intensidade.

Na mão do menino, João percebeu uma faca. Jorginho havia guardado o objeto para proteger sua mãe e a si próprio, pois, como já havia dito, não aguentava mais aquela situação e havia visto uma cena de um filme na qual uma criança se defendia do pai louco com um facão. De súbito, ele dá um salto em direção a seu pai e enfia violentamente a faca no abdômen, um jato de sangue mancha toda a parede do quarto, exatamente no momento em que sua Josélia aparece à porta com o rosto também lavado em sangue. João, paralisado, não acredita no que aconteceu. Jorginho, ali nos seus braços, ensanguentado e com os órgãos em suas mãos. A embriaguez desaparece como por encanto. Josélia não tem forças para gritar e cai de joelhos em estado de choque. Naquele momento, Jorginho ainda consegue balbuciar algumas palavras:

- Desculpa mamãe, mas eu não aguentava mais sofrer. Mas olha só, mamãe, o papai não está mais bêbado, acho que ele está curado, isso quer dizer que ele não vai mais nos bater. Agora vocês já podem viver juntos. Papai, não bate mais na mamãe, não, sabe, ela te ama. Estou com sono, vou dormir. Boa noite, mamãe. Boa noite, papai. Eu amo vocês!

Em um país onde a distribuição de renda é des¬proporcional, o desemprego cresce de forma galopante, escolas e hospitais estão completamente abandonados, é difícil descobrir a verdadeira razão de tragédias como essa. Com certeza, tudo isso influencia para que famílias sejam destruídas com facilidade. Como se não bastasse tudo isso, ainda temos que lidar com problemas como drogas e alcoolismo. Várias campanhas são feitas para o combate às drogas, porém, falta uma atuação efetiva com relação ao álcool, que destrói tantas famílias de maneira avassaladora. Sem contar que, na maioria das vezes, o caminho das drogas se inicia no álcool. Com certeza, existem interesses por trás de tudo isso. A sociedade precisa cobrar mais essas atuações dos governantes, e nós, pais, devemos orientar nossos filhos para tentar se afastar ao máximo deste mal que está em todo lugar, nas esquinas, na TV – em seus comerciais mostrando mulheres lindíssimas seminuas e homens atléticos – e em nossas casas.

Que desgraças como essa não ocorram com tanta frequência, e que nossas crianças e adolescentes sejam cidadãos de bem.

EVANDRO SROCHA
Enviado por EVANDRO SROCHA em 10/09/2014
Código do texto: T4956411
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