DESESPERO

Tarde de sábado, véspera do aniversário de Antônio Carlos, um nordestino que veio de sua terra natal para tentar a sorte na capital, e não conseguiu voltar mais. Casou-se com Juliana, também nordestina, filha de uma sertaneja e um alemão. Com olhos azuis e cabelos loiros, uma pele clara, e um corpo escultural, despertava em Antônio um ciúme doentio.

- É imaginação sua, irmão. A Juliana te ama de¬mais, nunca o trairia.

- Não tenho tanta certeza assim, Marcelo. A Ju é muito bonita e, com certeza, recebe muita cantada quando anda pela rua, e, na situação em que eu me encontro, ela teria motivos de sobra para cometer uma traição.

- Ela sabe muito bem que sua situação é passageira. Logo você vai arrumar emprego, e a situação vai melhorar.

- Tudo bem, mas enquanto não melhora, eu fico aqui sendo sustentado por ela. Quer humilhação maior que essa?

- Se acalme, Antônio, esse seu nervosismo não leva à nada, e essa sua desconfiança não tem fundamento.

- Não é imaginação não, irmão. Ela tem outro, e eu vou descobrir quem é ele. Neste dia cometo uma desgraça. Antônio vivia com essa doença, não conseguia confiar em Juliana, mulher dedicada que, para sustentar a casa, trabalhava em dois colégios e, nos finais de semana, fazia faxina em casas de madames para completar a renda. Desde que Antônio ficou desempregado, sua vida se resumiu a trabalho e mais nada. Mas Antônio, com sua fixação, não conseguia entender.

- É, já brigamos muito por causa disso, mas ele não tira essa idéia da cabeça, se eu desse motivo, até entenderia.

- Eu sei cunhada, a culpa não é sua, conversei muito com ele, mas nem a mim ele escuta. Cabeça dura igual, eu nunca vi. De qualquer maneira, tome muito cuidado, no estado em que ele se encontra, um simples bate papo pode se transformar em traição.

- É, eu sei. Ultimamente não tenho tido tempo sequer para conversar.

- Mudando de assunto, como vamos fazer, afinal?

- Ainda não pensei nisso, mas tem que ser no maior sigilo, ninguém pode desconfiar.

- Claro! Principalmente o Antônio, ele não entenderia. No estado em que ele se encontra, com certeza não aprovaria.

- Não pode ser aqui em casa. Você já pensou no lugar?

- Já pensei, sim. O lugar é confortável, e ele não desconfiaria nunca. Risos.

Numa fração de segundo, os risos foram abafados pelo grito enlouquecido de Antônio. Ele estava escondi¬do no quintal ouvindo a conversa pela janela. Num surto cego, invadiu a casa de seu irmão com sangue nos olhos.

- Eu sabia que você estava me traindo. Mas com meu irmão?!

- Que é isso, meu amor, que conversa é essa, está ficando louco!

- Antônio, meu irmão, não é o que você está imaginando, nós estávamos apenas...

- Cala essa boca, não quero ouvir a sua voz. Eu sou muito idiota mesmo. E pensar que hoje mesmo estava me desabafando com você. Como pôde!?

- Deixa de loucura, homem, eu e seu irmão está¬vamos combinando...

- Não quero ouvir mais nada.

Antônio saca da cintura uma pistola. Com as mãos trêmulas, aponta em direção aos dois com uma fúria incontrolável.

- Vocês vão para o inferno, e vão pagar por essa traição.

- Abaixe essa arma, irmão!

- Irmão?! Você ainda tem coragem de me chamar assim?

Marcelo tenta se aproximar de Antônio, na tenta¬tiva de desarmá-lo, mas, com seu movimento, Antônio se desespera e dispara a arma. Um tiro apenas. O corpo cai no chão com extrema violência. Juliana, desesperada, corre para socorrer aquele homem que ela tanto admirava. Marcelo tenta, sem sucesso, impedir o sangue de escoar da cabeça de Antônio. Com um movimento brusco, Antônio encostou a arma na própria cabeça e atirou. Antes de morrer, porém, Antônio sussurra algumas palavras para os dois, atônitos com a situação.

- Amo tanto vocês dois que preferi atirar em mim mesmo. Escolhi acabar com a própria vida a tirar a de vocês. Como pode as pessoas que mais amava me apunhalarem assim pelas costas? O que me conforta é que vocês vão viver com essa culpa até morrerem e encontrarem-me no inferno, que é para onde vocês vão, seus...

-Não, Antônio, nããããããããããããããooooooooooooooooo!

Antônio morre. Morre sem ao menos saber que o que seu irmão e sua amada estavam combinando era como e onde faria sua festa de aniversário, surpresa. Morreu envenenado pelo ciúme e pela ignorância. Morre, então, mais um Antônio. Um Antônio que, na infância, não teve em quem se espelhar, apenas trabalhar no sertão sem direito à educação, saúde, moradia. Um Antônio que não conheceu a adolescência e, que na fase adulta, viu todos os seus sonhos desmoronarem com a falta de perspectiva e esperança. Tudo o que ele queria era ser um cidadão com dignidade.

EVANDRO SROCHA
Enviado por EVANDRO SROCHA em 10/09/2014
Código do texto: T4956407
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