SOBRE O QUE ACABAMOS DE FALAR
A tarde cai ao som de “I Remember Clifford” que sai do trompete jazzístico de Freddie Hubbard. Um “até logo” ao dia e um “oi como vai?” à noite. O jazz é educado como o vento que acabou de entrar pela janela e se esparramou dentro da sala como um todo, uma suave visita doce que a gente sempre espera e nunca quer que vá embora.
A música é capaz de enviar mensagens através de outras formas que não somente a forma sonora em que ela vive, ela encontra brechas dentro de coisas concretas e de perfumes imediatamente passageiros; ela sabe que pode se fazer sentir quando quiser, pode ser no silêncio de um olhar triste, ou no sorriso da lembrança que a gente pode ter acabado de sentir agora.
A tarde cai ao som de um trompete muito bem executado, muito delicado, tão perturbadoramente lindo que as nuvens se abririam aos céus, se nuvens houvesse; tão intuitivamente inspirador que a informalidade da poesia se renderia à forma e à rima, se o poeta quisesse.
A música transcende e envolve, cria afetividades comuns, faz com que o currículo de um seja enriquecido com as habilidades do outro; que os meus certificados sejam suas experiências; que as suas graduações sejam os meus diplomas; que a minha colação de grau seja o convite da sua cerimônia de formatura.
A tarde cai e a gente se entende praticando a vida, remando na pista de pedestre; correndo pisando nos peixes; voando com as mãos firmes segurando uma fatia da ventania; deixando as coisas acontecerem delicadamente com a beleza do jazz, com a sutileza do trompete e com a energia do nosso trabalho.
Ricardo Mezavila.