O LIRISMO E A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
Fiquei com vontade de conversar, de lembrar, de falar de coisas de um tempo tão bonito que ficou lá atrás, mas que também ficou aqui, impregnado em mim.
Eu cresci sempre perto dos violões, bandolins, amigos da música, rodas de violas e de canções, onde a vida era boa de se brincar. Comecei a tocar violão ainda muito menina e não foi uma escolha, na verdade eu fui escolhida. Com oito ou nove anos já tocava alguns minuetos de Bach, sem nunca ter visto alguém tocar ou lido alguma coisa sobre Bach. Estes mistérios que a gente não compreende e é melhor nem perguntar. A música, os instrumentos, sempre foram uma grande paixão para mim, e ainda são, mas lá atrás,nas rodas de amigos em sua grande maioria músicos, os violões despertavam paixões. Me lembro como se tivesse acabado de acontecer; eu cantava,tocava, recitava alguns versos conhecidos, outros nasciam prontos na ponta de língua. Os amigos ouviam, estranhos se aproximavam e a partir daquela atmosfera, os pares iam se formando. A música, a poesia, os violões inspiravam amores. Depois de toda poesia, todo lirismo e cantoria, eu voltava para casa com meu companheiro, meu parceiro de tantos amores, de muitas canções e poesias, meu bom e velho amigo violão, que ainda é meu grande companheiro e amigo, mas não com o mesmo vigor de antes, quando tínhamos uma atmosfera poética,lírica, lúdica que nos inspirava.
Lembro-me com muita saudade dos grandes festivais da canção. A roda sempre viva de Chico. a alegria contagiante de Caetano, o domingo namorador de Gil, o sabiá cheio de lirismo de Vinícius, a velha ponteio de Capinam e Edu Lobo bom, a pimentinha Elis cantando Caymmi e dizendo: "Sou cantador só sei cantar. Eu canto a dor canto a vida canto a morte eu canto o amor", e outros tantos que nasceram para o mundo ali, e alimentaram minha fome de música e de arte.
Cheguei a participar de alguns festivais, ganhando o primeiro lugar com interprete, ainda adolescente e o terceiro lugar defendendo a canção de um amigo. E vejam vocês; tive o prazer de ver e ouvir o belíssimo grupo vocal MPB4 cantando no intervalo deste festival, onde a canção que defendi ficou em terceiro lugar.
Que saudade dos festivais!
Que saudade doída dos festivais da canção!
Acompanho com alguma tristeza a decadência da música popular brasileira. Sei que há muitos artistas brilhantes, muitos e muitos,
mas não nos pegam pelos braços como acontecia antes, por conta da grande empolgação dos festivais. Você que tem por volta dos seus cinquenta anos sabe bem disto. Lembro-me do último festival da canção no ano de 2000. Foi um fracasso devido a manipulação. Algumas canções razoáveis e uma lindíssima do já conhecido cantor e compositor em festivais anteriores, Lula Barbosa,com a belíssima canção "Brincos". Era de longe a melhor canção da noite. Linda harmonia, melodia, letra, um primor de canção. Sequer ficou em terceiro lugar. A vitoriosa da noite foi uma canção medíocre, sem graça, linear, sem letra, pobre de harmonia, que dizia algo como: " Tudo bem meu bem, meu bem tudo bem". Tá. Então tudo bem!
Que saudade doída dos festivais, dos violões em volta das fogueiras, das rodas de amigos, dos recitais de poesia, do timbre inigualável do bandolim, da atmosfera que nos inspirava a compor, a cantar, a tocar. Vejo que o tempo passou tão depressa e os versos ficaram para trás e a gente sabe que esse tempo não volta jamais...