Lição de Tolerância
Fui passar as férias no Maranhão, terra de um dos pivôs da "realpolitik" dos nossos últimos presidentes. No caminho do aeroporto para a pousada em São Luís o chofer de táxi me contou uma história que eu reconto.
“Minha mulher agora resolveu adotar um menino. Tem três anos. Ele é filho da minha cunhada e minha mulher cisma que ele é meu.”
“E é?” foi a pergunta que eu consegui formular, aliás, de total irrelevância parque se fosse, ele podia não dizer, e se ele dissesse que era, podia não ser. Finalmente se ele dissesse que era e, de fato, fosse, qual a diferença que faria?
“É não!” continuou o motorista “mas eu gosto do danado do menino e ele de mim. Se o senhor visse como ele é esperto. Parece ter oito anos. Fala que nem gente grande.”
“O senhor tem outros filhos?” prossegui eu dentro da minha lógica, tentando entender. Ele tinha mais dois, já adultos. E eu, insistindo na mesma direção: “Mas a mãe dele, sua cunhada, não achou mal perder a criança?”
“Achou não. Ela sabe que o menino gosta de mim, que eu posso dar melhor trato. Quando o menino era pequeno, ele costumava passar os fins-de-semana comigo. Minha cunhada mora no interior, sabe como é, né?”
“E o seu cunhado não diz nada?”
“Diz não. Ele também acha que o filho é meu.” Segundo o motorista, tudo se dava na mais santa paz: ele com a mulher, ele com a cunhada e o cunhado e os dois últimos entre si. Se o relato corresponde à verdade, eu não sei nem nunca vou saber.
A história teve mais detalhes que eu aqui omito. Teve ainda a questão do teste de DNA que o motorista propôs fazer, mas o cunhado recusou com a argumentação de que na hora do exame podia haver troca de sangue. Ou será que o cunhado estava com medo do teste dar negativo e ele não ter mais pretexto para justificar a entrega do menino? Se, em contrapartida, o teste desse positivo a dúvida podia perder um espaço que talvez fosse conveniente.
As feministas e os moralistas que me desculpem. Não estou aqui fazendo a apologia do macho que planta a sua semente pelo mundo afora, nem tampouco estou pregando a dissolução do casamento, campanha, aliás, de pouca serventia, visto já ter acontecido. Simplesmente achei a história bonita porque traduz um pouco daquele espírito comunitário que talvez venha dos indígenas em que ninguém pertence a ninguém.