O dia em que xinguei aquele nome que nossos pais abominam!
O dia em que xinguei aquele nome que nossos pais abominam!
Possivelmente, em razão da minúscula e impotente participação no Universo, pasmos diante da imensidão e da força descomunal da natureza, os humanos ficaram refém do sobrenatural, sujeitos à boa vontade de deuses e demônios para minimizar a sua desvalia.
Dentre os humanos, muitos caíram nas graças daquelas criaturas e a eles foi concedido o dom da conjuração, da magia, da arte do encantamento, da fascinação como maneira de se aliar aos supranormais e usufruir da sua inesgotável força para criar e destruir, e comungar com eles dos segredos da vida e da morte.
São os mágicos, os gurus, os feiticeiros, os médiuns, que tanta admiração causam.
Aos restantes dos homens restou a superstição.
Milhares e milhares de anos de existência, mesmo com o florescimento da ciência, em pleno domínio da razão, continua-se a temer o imaginário, recear as intenções malévolas de espíritos inatingíveis, habitantes das entranhas da natureza, circulando pelas mentes desavisadas, razão que leva a reprimir o pensamento, tampar a boca para evitar vocábulos conjuradores, bater na madeira para desfazer o ato capaz de despertar a ira do inanimado.
Mas, apesar da superstição, não se pode abrir mão do xingar, uma forma de comunicar, de desabafar, de indignar mais evoluído e civilizado, sinal que se foi capaz de abdicar da força bruta, no lugar do sopapo um palavrão! Como se diz nos parlamentos, “vossa excelência é um falastrão”.
Xingar é também mecanismo conciliador das instâncias mentais, promovendo serenidade e conforto emocional, a exemplo de mantras e ritos religiosos. No universo cristão, o “graças a Deus” é o equivalente.
Muitas vezes tem função motivadora, incentivando a personalidade a persistir nos seus intentos, tais quais os elogios e apupos reforçadores de comportamentos no cotidiano, o “é matador, é matador...” das torcidas organizadas.
Outro dia, o Daniel, um menino de 5 anos, estranhou a pobreza do meu repertório de xingamentos, possivelmente em comparação com o seu já tão extenso e cabeludo: “seu João, o senhor só sabe xingar fé da puta?”.
Mineiramente manifesto desagrado, persevero num afazer, expresso afetividade, com um sonoro “fé da puta” e, como por encanto, fascinantemente, tudo se arranja: a novilha arisca, querendo me pisotear, retoma o rumo certo; o parafuso engripado desenrosca; a netinha de poucos dias sorri prazerosa, talvez, como o Daniel, curiosa e perplexa por eu não saber xingar.
Não é que eu não sei...
Outro dia, num momento de dor desconcertante, o amassado da unha do dedo mindim, uma raiva maluca eu xinguei. Ainda bem que o Daniel não estava lá.
Depois de mais de 60 anos eu xinguei um palavrão diferente de fé da puta, aquele nome que nossos pais abominam... Nem é bom repetir!