A margem do nada

A margem do nada

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

DECIDI parar. Dar um tempo em tudo. Refazer, voltar no caminho percorrido, tentar de alguma forma ressuscitar os erros cometidos para acertar o que ficou pendente, pela metade. Ou que nem metade teve. Talvez não haja mais espaço para o que planejo, porém acho que só o fato de tentar, de querer, de estar decidido, já me deixa um pouco melhor. E eu me sinto mais confortável.

Sei que cometi muitos erros e outros tantos e infindáveis desacertos. Feri, maltratei corações, pisoteei almas que só queriam o meu bem. Tudo em nome da minha mediocridade pessoal, da minha insensatez barata. Do egocentrismo bobo, da vontade de querer ser mais que os outros. Na verdade, se todos nós parássemos um instante para pensarmos, para refletirmos, sobre o certo e o errado, chegaríamos a triste conclusão de que não somos nada. Não passamos de terra ruim, sem o adubo da perfeição, sem o tempero certo que nos torne único, insubstituível. Não vamos além de um punhado de barro podre, esterco sujo, poeira que de um momento para outro poderá ser levado pelo vento.

***

Estamos, na verdade, presos no espaço a um Ser Superior, a uma Divindade que nos mantém sob o seu domínio, como se fossemos uma linha esticada de um extremo ao outro do destino. Basta um movimento em falso e esse fio se arrebenta de forma brusca. Partindo, lá se vai todo nosso orgulho, e, de roldão, toda nossa pompa, toda nossa arrogância, toda nossa grande porção de pedantismo e exibicionismo, água abaixo. Não adianta, pois, sermos mais do que somos na grande voragem desse ciclo que nos movimenta, ora para um lado, ora para outro, a bel prazer do Criador de todas as coisas. Por isso, é bom parar. E eu vou fazer isso. Espero, sinceramente, que você, meu caro amigo, também siga meu exemplo. De um basta. Estanque as mazelas, de um chega pra lá nas vulgaridades que povoam o seu interior. Afaste, de vez, os planos mirabolantes que acaso alimenta. Planos esses, às vezes, destituídos de um fundamento sólido e, em face disso, nos vemos direcionados para o fundo do poço. Acredite, existe um abismo insofismável, sem volta, ele está logo à frente. Um gesto mal pensando, uma ação eivada de fraca estruturada nos afunda nos atola, nos envolve, nos sufoca, até o pescoço.

A vida é tão simples, tão banal, tão sem importância, se olhada com carinho e esmero. A vida é pura, é maravilhosa, é boa de ser vivida. Em passo paralelo, essa mesma vida se torna difícil, incompreensiva, se levada ‘no tapa’ ou na contramão. De repente se torna um bicho de sete cabeças, se alimentada na ponta da faca, no desassossego da alma em constante desacordo com a realidade. Precisamos, a cada, dia, fazer um policiamento de nós mesmos. Olharmos para dentro do coração e ver o porquê dele estar batendo errado, desiludido, descompassado. Medir os passos, sopesar os caminhos a serem seguidos. Fugir da mediocridade. Com a nossa mediocridade sem par, à flor da pele, com a nossa cegueira interior, com a nossa falta de luz e bom senso, deixamos passar momentos maravilhosos. Instantes de paz, minutos de harmonia. Trocamos todas essas quimeras ao nosso alcance por sonhos bobos, por planos hercúleos, mirabolantes. Jogamos sem sabermos, sem percebermos, pequenos mimos no lixo, atiramos ao acaso, em face de vermos diante dos olhos, estradas longas demais, caminhos sem fim, picadas e becos que não nos levarão a nada. Sendas, que, no final, deixarão os pés cansados, sem animo de volta. Viagens que só nos conduzirão para o abismo insofismável da sórdida derrota de nosso próprio eu interior. Saiba que da derrota ao fracasso, só há um pulo. Derrota e fracasso, portanto, andam de mãos dadas. Sempre dispostos a nos passar uma tremenda rasteira. Basta, para tanto, um descuido mínimo e bummmm... Devastação total. A bomba da desgraçada contaminada estoura ao nosso lado. Ai, babau... Já era a paz. Igualmente o fácil da vida, o bonito, o belo, o bucólico. Tudo meu prezado, vira escuridão e agonia. Agonia e sofrimento. Sofrimento e tristeza. A degenerescência do caráter. O homem ao zero, na lama, no chão de terra bruta, a mercê da sua imbecilidade e estupidez.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 61 anos é jornalista.

Aparecidoescritor
Enviado por Aparecidoescritor em 07/09/2014
Reeditado em 07/09/2014
Código do texto: T4953178
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