Sussurros Mórbidos

Minhas unhas doem! Ainda posso escutar os murmúrios de uma cidade inteira chocada com a inexplicável e súbita morte de Pereira. Comentava-se nas escolas, filas de supermercado, salões de beleza, pontos de ônibus e táxis, estes últimos sempre tumultuando o vai-e-vem frenético do trânsito daquela pacata cidade.

Nunca se ouviu, em Tangará, falar sobre uma morte tão esquisita. Não foi trágica, nem comum; não teve assassino, nem causa aparente. Ele simplesmente morreu, parou de respirar, passou desta para melhor, “bateu as botas”, seja lá o que for não foi nada assustador, mas enlouqueceu quem tentou entender.

Foi numa dessas conversas, dentro de um táxi, que a mulher de Pereira, entre lágrimas, se consolava com o motorista rumo ao enterro de seu esposo. Ela, inconformada, não parava de se culpar: “Se eu não tivesse deixado ele sozinho, nada disso teria acontecido!”.

Pereira e a mulher eram pessoas muito simples e moravam na periferia da cidade. Como não tinha dinheiro para pagar o caixão, um amigo do casal providenciou um. Era de madeira tosca e grosseira, com afiadas farpas incrustadas ao seu redor.

Não era de se espantar que até mesmo o coveiro fosse amigo da família, todos ali se conheciam e comentavam o acontecido. Poucas pessoas compareceram ao enterro, pois o cemitério ficava distante da cidade.

Pude ouvir toda essa estória e, assim como você, continuo sem entender o porquê do óbito imediato. Talvez nem sequer tiveram o trabalho de investigar o caso e, mesmo assim, enterraram Pereira naquele dia, um após sua morte. Pobre mulher! Ainda posso ouvir seus soluços enlouquecidos. Droga... Odeio ficar no escuro. Ai meu Deus, preciso de ar! Minhas unhas doem... Malditas farpas!

gili
Enviado por gili em 21/05/2007
Código do texto: T495165
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