Ela se foi de vez.

Eu caminhava pela rua quando, na transversal, dobrei para a direita; concomitante, no cruzamento adiante, Ela dobrou para a esquerda; a partir daí seguíamos pedestremente pela calçada em sentidos opostos e na mesma direção um do outro. Eu não sabia quem era Ela; Ela, por sua vez, não fazia ideia de quem era Eu. Jamais imaginou que Eu existisse e muito menos, que convivesse no mesmo planeta que o seu. Naquele instante não andávamos sozinhos, havia mais transeuntes no passeio; se homens ou mulheres, jovens ou idosos, não sei. Todos sofreram uma metamorfose e feito manchas em movimento eram percebidos ao largo, transitando de um lado para o outro ao mesmo tempo. Entre nós dois só havia a distancia para ser vencida; a luz do dia já se extinguia e o lusco-fusco estava prestes a dar lugar à escuridão da noite e nada mais. Ao perceber a sua imagem à distância fiquei encantado, meus olhos magnetizados, meu raciocínio foi perdendo a lógica e minhas pernas foram ficando bambas. Ela veio vindo na minha direção trazida pelo belo par de pernas bem torneadas cobertas até os joelhos por uma saia esvoaçante; seus pequeninos pés calçavam um majestoso par de sandálias com tiras de couro que os deixavam completamente à mostra. Suas passadas eram mais do que andar pura e simplesmente para percorrer um caminho, em cada passo seu havia harmonia de movimentos de todo o corpo compondo uma elegante coreografia. E foi assim, num bailado contido, que Ela veio se aproximando; os cabelos loiros levemente encaracolados inteiramente soltos ao vento, e os seios, sob a blusa de cetim, firmes e apontando para o futuro, para mim; uma de suas mãos segurava a bolsa de alças curtas, a outra, livre, acompanhava o leve balouçar do braço frouxo. Agora, a poucos passos um do outro eu notei em seu rosto que dois dentes de coelho mordiscavam o lábio inferior; reparei, também, que seus olhos eram castanhos da cor da avelã, e, por causa do brinco, uma argola com 5 cm de diâmetro, pude observar que sua orelha era pequena e jeitosa, e para completar, logo abaixo, no pescoço, havia uma estrela tatuada. Desejei beijar a minúscula estrela, chupar o lóbulo de sua orelha, fungar entre seus cabelos dourados, sentir o cheiro do seu perfume... quando, de repente, encarei seus olhos a dois passos de um encontrão; os seus olharam pros meus sem reação. Não improvisei uma fala, não me ocorreu a cantada, mudo fiquei. Ela passou por mim e se foi. Eu parei, olhei, olhei... Ela tem que olhar para trás, pensei. Esperei ainda até... que... Eu a vi dobrar a esquina. Ela se foi de vez.

Chateado pelo meu mutismo inesperado não consegui me livrar daquele momento efêmero e retive sua imagem na mente pelo resto do dia até deitar na cama e dormir.

Dilucas
Enviado por Dilucas em 06/09/2014
Reeditado em 01/08/2024
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