O CHORO DE CADA UM
Duas ou três vezes por semana o Padá passava pedindo alguma coisa, meio exigente ele ia avisando que queria isto ou aquilo, dentre isto e aquilo, pedia bolachas, iogurte, coisas que não havia na colônia.
Nós o chamávamos de Padá, pois ele apertava a campainha e ia logo dizendo:
- "Não tem nada pá dá?" - assim era o diálogo dele, sempre choroso, parecia um coitado, talvez com 12 ou 13 anos, mas aparentava ter uns seis, no modo de comportar-se, até que um dia, delatado que foi por uma vizinha nossa, passei a fazer-lhe algumas perguntas de onde vinha, quem eram seus familiares, se ia à escola, quando então ele atucanou-se e engrossou a voz xingando-me, deste conflito lá se vão 30 anos, Padá deve estar com aproximadamente uns 42 anos.
Assim fui conhecendo choros, chorosos e chorões que me qualificaram na distinção deles com pouca margem de erro.
Durante os anos que trabalhei no Centro de Porto Alegre assisti choros, chorosos e chorões que faziam os menos avisados chorarem também e nem bem o teatro se desfazia saiam dando risadas, assim eram as mulheres que alugavam crianças para pedirem esmolas, assim eram os adolescentes infratores, quando pegos pela polícia, assim eram os pedintes de todo o gênero.
Próximo da última Páscoa nós fomos no supermercado, que fica perto de casa, quando já estávamos na fila do caixa um menininho com idade entre três e cinco anos apanhou algumas barras de chocolate e colocou no carrinho, sem contudo deixar de rasgar a embalagem de uma das barras e enfiar uma das pontas na boca. De imediato as barras foram devolvidas à prateleira, inclusive a degustada, numa reação instantânea abriu-se um berreiro acompanhado de choro, sapateio e até olhos revirados. Bem baixinho os acompanhantes tentaram repreender o menininho, mas não deu certo e ele jogou-se no chão e entre soluços dizia algumas palavras de suplica. Sob os olhares de censura de todos a negociação foi exitosa e pelo menos duas barras retornaram ao carrinho, inclusive a já aberta parcialmente.
Belo gesto que de pronto pôs fim ao choro e trouxe um sorriso ao belo rostinho, embora fosse um choro de artista.
Ela não deveria ter chorado, muito menos aparecido em público, aquele choro pode até não ser, mas parece aquele velho conhecido das minhas andanças por ai.