Ponha mandioca nisso...
Um dia destes vi um anúncio na televisão em que aparecia uma pessoa exibindo com alegria a mandioca que havia colhido, digna das melhores classificações no “livro dos recordes”.
Aquele anúncio me fez recordar o Terêncio, que morava na minha querida Santa Branca/SP.
Eu ainda era um garoto e me lembro que minha mãe pediu-me para comprar fósforo no bar do Seu Agenor.
Interessante lembrar duas coisas, nessa época o fogão de casa era aceso com fósforo e na calçada do bar do Seu Agenor tinham duas argolas de ferro fincadas no chão para amarrar cavalos.
Bem, assim que pedi o fósforo chegou um tal de Terêncio, montado num cavalo negro mais bravo que o “coisa ruim”.
Nessa época de criança para mim só o nome Terêncio já me causava pavor. A empregada de casa vivia contando casos de que ele era encrenqueiro. Para piorar os meus medos ele chegou de chapelão, todo vestido de preto, cravando as esporas no pobre cavalo, colocando-o aos pinotes. Depois daquela cena toda, apeou o danado, amarrou-o na argola e entrou no bar exibindo um enorme anel no dedo e uma grossa pulseira dourada junto ao relógio prateado.
Terêncio era baixo muito magro. Usava botas com saltos de estilo carrapeta e as esporas possuíam imensas rosetas pontiagudas que iam batendo no chão causando um barulho fúnebre.
Parecem tolos detalhes, mas para a minha cabeça de criança eram muito marcantes.
Diante daquela situação toda o que eu mais queria era pegar a bendita caixinha de fósforo e sumir “no pé” pra minha casa.
Vi quandoTerêncio pediu uma “purinha” no capricho, dizendo que era pra comemorar com todos. Até arrepiei pois eu também fazia parte do todo.
Seu Agenor serviu-lhe num copo americano aquele lavrado de pinga e ele arrematou-a num gole só.
Fiquei ali do lado observando e pensando como podia com um calorão danado que estava fazendo, uma pessoa tomar aquela pinga toda num gole só.
Eu achava inconcebível alguém fazer aquilo com água quanto mais com pinga.
Após tomar aquela generosa dose de pinga, comentou com o Seu Agenor de maneira que todos que ali estavam o escutassem, que por pouco não havia dado uma sova num caboclinho que morava perto do seu sítio.
Quando eu escutei aquilo já comecei a me preparar para o meu galope pessoal, mas sabe como é curiosidade de criança...um lado de mim queria ir, o outro queria ficar para escutar o que houve com o tal do caboclinho. Foi este lado que me prendeu ali.
Continuou a história dizendo que estava criando uns leitõezinhos para vender no natal até que percebeu, com o passar dos dias, que estavam sumindo do seu sítio alguns leitões e também as mandiocas que plantava. Queria dar uma lição no bandidinho miserável. Foram dias de tocaia na tentativa de pegar o safado comedor de torresmo com mandioca e nada.
Percebia que os porquinhos sumiam, e no lugar da mandioca ficava só o buraco da raiz arrancada.
Foi que, já desanimado, teve uma ideia. Amarrou no pescoço do último leitão que lhe sobrara uma sineta. Assim que a noite chegou já se colocou de tocaia, na esperança que daquela noite o safado não ficaria sem uma boa coça.
Já era de madrugada, quando a sineta começou a tocar. Olhou para o leitão que parecia agitado a andar pelo sítio.
Foi seguindo o leitão pelo barulho da sineta, até que este parou diante de um dos últimos pés de mandioca que ainda lhe sobrara. O leitão parecia estar com muita fome.
Começou a devorar as folhas, depois foi pro talo e quando nada mais restava começou a cavar um buraco enorme, para comer a própria mandioca.
Terêncio diante daquela situação de “resolvo essa questão custe o que custar”, não mediu consequências e se enfiou buraco a dentro atrás do porquinho.
O leitãozinho com aquele apetite todo, desandou a comer a mandioca que parecia não ter mais fim. O buraco ia ficando cada vez mais fundo e o Terêncio atrás.
Depois daquela escavação toda Terêncio percebeu que o leitão saiu do buraco e quando também o fez, teve uma grande surpresa. Viu que todos os seus leitõezinhos sumidos estavam ali porem, imensos de gordos, como grandes cachaços. Percebeu também que esse outro lado do buraco, estava do outro lado do rio, cujas terras pertenciam ao seu vizinho. Terêncio avaliou bem a situação e chegou à seguinte conclusão.
Sua propriedade possuía uma terra tão boa, mas tão boa, que ajudou a mandioca a crescer a ponto de atravessar o rio por baixo de seu leito e chegar no sítio do vizinho.
Como os leitões haviam engordado muito com aquela farta alimentação, não tinha como colocá-los mais de volta no buraco conduzindo-os as suas terras.
O jeito foi ir tocando aquela porcada toda noite a dentro, de volta pro seu sítio pela estrada mesmo.
Fechando o assunto, Terêncio pediu pro Seu Agenor servir a todos, por conta dele, uma dose bem lavrada da “marvada branquinha’, e olhando para mim acrescentou: pro garoto não! Pra ele serve um pão com mortadela e Q-Suco.
Despediu-se, e depois de soltar o cavalo da argola, montou no pobre coitado que já saiu riscando os cascos no chão.
Tomei o Q-Suco e fui correndo pra casa comendo o pão com mortadela e com a caixa de fósforo na mão.
Ao chegar em casa minha mãe me deu um “pito” pela demora.