AS MENINAS DE UM SAIA SÓ

     Ouço ecos do passado. Sons de lágrima em tons de riso. Estamos numa bela casa, a mesa farta. Nossas histórias são similares num ponto banal: as meninas de uma saia só. Paro a pensar. Quero conhecer dentro de mim e uso você como espelho. Tantas pessoas devem ter-se defrontado com a carência, nós mesmas devemos ter desejado muitas coisas sem poder tê-las, mas quando falamos a respeito de nossa juventude, a dificuldade que mais nos marcou, foi o fato de termos tido, durante um período para nós muito longo, uma só saia para vestir. Não nos lembramos das outras peças de vestuário que possuíamos além da unidade ou daquelas também únicas em nosso guarda-roupa (um só casaco, uma só camisola, um só par de sapatos)! Aderiu à nossa memória, de forma indelével, a imagem da saia.

     Recorro ao dicionário em busca de algum por quê. Espanto! Dentre os significados de saia, encontro...mulher. Faz-se a luz. Na verdade, a dor de nosso passado está relacionada ao nosso isolamento enquanto mulheres. Nunca fomos compreendidas, amadas, mas como desejávamos que isso tivesse acontecido! Encontro ainda outro fato a nos identificar de forma marcante: a necessidade de nos destacarmos em tudo o que fazíamos. Embora você tenha alcançado melhores resultados, fomos movidas pelo mesmo propósito e poderíamos nos definir como as meninas de muitas medalhas, muitos diplomas, muitos primeiros lugares. Nossas almas, perdidas num mundo de desafetos e cobranças, buscavam cobrir-se de glórias (como alguns soldados na guerra), heroínas na luta cotidiana por um pouco de amor e reconhecimento.

     E, porque precisávamos de algum estímulo para continuar,Deus no-lo concedeu. Conseguimos encher nossos armários com muitas saias, bolsas, casacos, muito "tudo que não tivemos um dia". Novo ponto em comum. Nossos armários passaram a ser meticulosamente cuidados, arrumados, organizados. Tenho certeza de que podemos achar qualquer coisa em nossas casas, mesmo na mais total escuridão. Precisamos saber o que temos, precisamos da abundância e da ordem em nossos armários, certeza de abrir portas, de encontrar o que queremos e necessitamos.

     Hoje, no entanto, nossos armários cheios não enchem nossas vidas vazias. Por isso conversamos, nos emocionamos, choramos juntas. Continuamos sendo "as meninas de uma saia só", porque somos intensamente carentes enquanto seres humanos, ainda não descobrimos como abrir as portas de nossos corações e, mesmo na mais total escuridão, encontrar...amor.