O TEMPO E A VIDA

Num dos meus momentos de folga, mais precisamente numa segunda-feira que é o dia da semana que reservo para mim, passeio descompromissadamente por um shopping center, quando deparo com uma cena que me deixou comovido e com uma grande sensação de desconforto.

Em uma casa de café – que invade o espaço dos freqüentadores do shopping com suas mesas e cadeiras – vejo um homem de idade avançada numa cadeira de rodas, sem camisa, sem calçado e vestindo apenas uma fralda geriátrica. Junto a ele um casal na faixa dos seus trinta anos, dando-lhe a atenção necessária. Suas roupas e seu par de chinelos estavam colocados sobre a cadeira de rodas, o que pode indicar que ele passou mal no interior do shopping e acharam por bem livrá-lo de suas roupas sociais.

A expressão daquele homem impressionou-me. Seus olhos perdidos no tempo e no espaço pareciam não enxergar nada, ou melhor, talvez enxergassem a morte anunciada e possivelmente próxima. A profunda tristeza era evidente e a sensação de impotência perante a impossibilidade de poder sequer locomover-se sem ajuda, completava aquele quadro angustiante e desolador.

Foram poucos minutos em que, discretamente, permaneci a observá-los, e logo me engajei de novo na vida que é o maior bem que possuímos. São imagens que dificilmente conseguirei esquecer ou simplesmente “deletar” da minha mente como se diz hoje nesses tempos virtuais.

Depois que os perdi de vista comecei a divagar sobre essa maravilha que é a vida, sobre quem somos nós, o que e por que temos determinadas atitudes, se o final de tudo já é sabido de todos. Fiquei pensando naquele homem da cadeira de rodas com apenas uma fralda geriátrica. Quem terá sido ele ao longo da vida? Será que foi um sujeito poderoso? Será que foi solidário e bom para com os outros? Por que chegou naquele estado lastimável em que se encontrava, exposto daquela maneira e completamente incapaz de gerir sua própria vida? Perguntas... dúvidas? Muitas! Respostas? Nenhuma!

Ouço muito as pessoas dizerem: “Quando morrer não quero dar trabalho a ninguém” ou “Gostaria de morrer dormindo” ou “Deus me livre de alguma doença que me deixe paralisado numa cama” ou ainda “Prefiro morrer a depender de quem quer que seja para me alimentar, dar banho e afins”.

Realmente seria bom se todos os finais desta passagem por aqui fossem calmas e tranqüilas, como uma espécie de prêmio por tudo aquilo que passamos enquanto durou nossa jornada. Nem sempre é assim, e talvez seja essa dúvida um dos motivos pelos quais a vida é tão interessante de ser vivida.

Depois de tudo isso, gostaria de acrescentar que não consigo entender o comportamento de muitas pessoas em relação à vida, tratando-a como algo descartável, fútil e sem nenhum valor pessoal. Também não entendo por que uns se consideram mais do que outros... por quê? Significa muito, por exemplo, ter apenas roupas de grife, tênis importados, carrões do ano, muito dinheiro, posição social e – a lástima das lástimas – ser arrogante a ponto de humilhar aqueles mais simples, aqueles mais honestos, aqueles que sabem o que vieram fazer aqui? Para essa gente, significa sim, o que é uma pena. Até o dia – e sempre há um dia – em que algo acontece em suas vidas, mudando completamente tudo aquilo em que sempre acreditaram, exaltaram e praticaram. Até o dia em que o tempo começa a ditar suas mais impiedosas regras e normas, levando-as ao estado letal da transformação, da dependência e do olhar perdido no tempo e no espaço.

Quem pode saber o que aquele homem da cadeira de rodas pensava naquele momento em que o vi?

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Arnaldo Agria Huss
Enviado por Arnaldo Agria Huss em 21/05/2007
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