As cantigas de minha mãe
No livro Menino-Serelepe* eu conto sobre as cantorias de minha mãe — ela que tinha a mania de cantar enquanto fazia os trabalhos domésticos.
Assim, deixei lá registradas estas memórias:
Os cuidados de minha mãe e sua atenção ficaram comigo, também, nas cantorias.
Pra fazer a criança dormir:
Senhora dona Anja, coberta de ouro em pó
Descubra o vosso rosto que nós queremos ver
Que anjos são esses que andam por aqui
De dia e de noite em volta de mim
Quando caíram os dentes de leite:
Andorinha, andurão, leva este dente ruim
e traga outro bão...
Reprodução capa livro de Maria Angela Resende
Nas parlendas e cantigas:
Bambalalão, senhor capitão,
espada na cinta e ginete na mão!
..............................................................................................
Cadê o toucinho que ‘tava aqui? O gato comeu.
Cadê o gato? Foi pro mato.
..............................................................................................
Vamos passear no bosque, enquanto o seu lobo não vem.
Tá pronto, seu lobo?
..............................................................................................
Pito, pitou, canudo rodou,
Papo da velha arrebentou!
..............................................................................................
Eu vi uma barata na careca do vovô
Quando ela me viu bateu asas e voou
..............................................................................................
A casinha da vovó, amarradinha de cipó
O café tá demorando, com certeza não tem pó
..............................................................................................
Ai, ai, ai, ai, carrapato não tem pai...
..............................................................................................
Rolinha voou, voou,
caiu no laço e se embaraçou...
..............................................................................................
Sete e sete são quatorze, com mais sete vinte e um...
..............................................................................................
Sabiá lá na gaiola fez um buraquinho
E voou, voou, voou...
Os hinos sacros:
Mãezinha do Céu, eu não sei rezar
Só sei dizer quero te amar
..............................................................................................
Coração Santo, Tu reinarás
Do nosso encanto, sempre serás...
E quando um velho rádio de válvulas RCA Victor, comprado de segunda mão pelo tio Mário na oficina do seu Antônio da Cruz, chegou à casa da vó Cema, além da radionovela do Jerônimo e do Balança, mas não cai, com ele vieram também as músicas — de Chico Alves, Anísio Silva, Ângela Maria, Cascatinha e Inhana, Palmeira e Biá, Carlos José — que a mãe cantava enquanto cuidava da casa, cujas letras eu jamais esqueci:
Pelas cortinas de uma janela eu vi o meu amor
Trocando beijos nos braços de outro e eu chorei de dor
..............................................................................................
Quero beijar-te as mãos, minha querida,
Vem junto de mim, vem, por favor...
..............................................................................................
Abra a porta e a janela
E vem ver quem é que eu sou...
..............................................................................................
Boneca cobiçada, das noites de sereno
Seu corpo não tem dono, seus lábios têm veneno
..............................................................................................
... e o avental todo sujo de ovo, se eu pudesse outra vez, mamãe,
começar tudo, tudo de novo...
..............................................................................................
Meu primeiro amor foi como uma flor
..............................................................................................
Ô jardineira, por que estás tão triste?
..............................................................................................
Vestida de branco, de véu e grinalda,
Lá vai Esmeralda na igreja se casar
..............................................................................................
Poema é noite escura de amargura,
Poema é a luz que brilha lá no céu
Ouça algumas dessas músicas
- Uma parlenda (aqui)
- Um hino sacro (aqui)
- Uma música antiga (aqui)
(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.
No livro Menino-Serelepe* eu conto sobre as cantorias de minha mãe — ela que tinha a mania de cantar enquanto fazia os trabalhos domésticos.
Assim, deixei lá registradas estas memórias:
Os cuidados de minha mãe e sua atenção ficaram comigo, também, nas cantorias.
Pra fazer a criança dormir:
Senhora dona Anja, coberta de ouro em pó
Descubra o vosso rosto que nós queremos ver
Que anjos são esses que andam por aqui
De dia e de noite em volta de mim
Quando caíram os dentes de leite:
Andorinha, andurão, leva este dente ruim
e traga outro bão...
Reprodução capa livro de Maria Angela Resende
Nas parlendas e cantigas:
Bambalalão, senhor capitão,
espada na cinta e ginete na mão!
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Cadê o toucinho que ‘tava aqui? O gato comeu.
Cadê o gato? Foi pro mato.
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Vamos passear no bosque, enquanto o seu lobo não vem.
Tá pronto, seu lobo?
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Pito, pitou, canudo rodou,
Papo da velha arrebentou!
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Eu vi uma barata na careca do vovô
Quando ela me viu bateu asas e voou
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A casinha da vovó, amarradinha de cipó
O café tá demorando, com certeza não tem pó
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Ai, ai, ai, ai, carrapato não tem pai...
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Rolinha voou, voou,
caiu no laço e se embaraçou...
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Sete e sete são quatorze, com mais sete vinte e um...
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Sabiá lá na gaiola fez um buraquinho
E voou, voou, voou...
Os hinos sacros:
Mãezinha do Céu, eu não sei rezar
Só sei dizer quero te amar
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Coração Santo, Tu reinarás
Do nosso encanto, sempre serás...
E quando um velho rádio de válvulas RCA Victor, comprado de segunda mão pelo tio Mário na oficina do seu Antônio da Cruz, chegou à casa da vó Cema, além da radionovela do Jerônimo e do Balança, mas não cai, com ele vieram também as músicas — de Chico Alves, Anísio Silva, Ângela Maria, Cascatinha e Inhana, Palmeira e Biá, Carlos José — que a mãe cantava enquanto cuidava da casa, cujas letras eu jamais esqueci:
Pelas cortinas de uma janela eu vi o meu amor
Trocando beijos nos braços de outro e eu chorei de dor
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Quero beijar-te as mãos, minha querida,
Vem junto de mim, vem, por favor...
..............................................................................................
Abra a porta e a janela
E vem ver quem é que eu sou...
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Boneca cobiçada, das noites de sereno
Seu corpo não tem dono, seus lábios têm veneno
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... e o avental todo sujo de ovo, se eu pudesse outra vez, mamãe,
começar tudo, tudo de novo...
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Meu primeiro amor foi como uma flor
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Ô jardineira, por que estás tão triste?
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Vestida de branco, de véu e grinalda,
Lá vai Esmeralda na igreja se casar
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Poema é noite escura de amargura,
Poema é a luz que brilha lá no céu
Ouça algumas dessas músicas
- Uma parlenda (aqui)
- Um hino sacro (aqui)
- Uma música antiga (aqui)
(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.