Em busca do seu lugar
Poucas coisas são mais tristes que um cavalo andando, sem rumo, entre os muros cinza da cidade. O lugar dele não é ali. A fome e a sede consomem sua carne e deixam seus ossos aparentes. Uma saliva grossa pende de sua boca ressecada, enquanto suas patas batem no asfalto e refletem, cada passo, em seus músculos cansados. Seu lugar não é esse. Definitivamente, esse cavalo está no lugar errado, na hora errada e, mesmo assim, continua projetando seu corpo lentamente por entre os carros, alheio ao perigo, às buzinas e ao olhar surpreso do menino de mochila a caminho da escola.
Do seu pescoço magro pende uma corda, quase um barbante, que o prendera frouxamente, em algum pedaço de madeira ou porta de um barraco. O sol de meio dia o fez sair do lugar em que estava para procurar uma sombra, uma árvore, quem sabe, com sorte, água. Nunca tinha visto um riacho. Nascera em uma favela, uma comunidade pobre que dividia os restos de sua comida com cachorros e porcos. Bebia água de um balde, às vezes, esquecido ao sol e procurava grama nas encostas, secas pela falta de chuva. Mas sabia que não deveria ser assim. Estranhava aquele solo quente e duro que feria o casco de suas patas e sabia que se continuasse andando, em algum momento, iria acabar virando uma esquina e se deparando, com um canteiro de obras, um terreno baldio, desses que são feitos de estacionamento. Ele sabia que ali, nascia uma grama verde e gostosa sob a sombra de uma velha mangueira. Não tinha água, mas a sombra e a grama o conquistaram. Ele sabia. E, por isso, continuaria andando, aparentemente sem rumo, entre os carros, sob os olhares de recriminação ao longo dos muros dos prédios, atrapalhando os ônibus e o trajeto apressado de quem estava indo para o trabalho. Continuaria andando e quando encontrasse a grama verdinha, a mangueira frondosa, enfim, aquele terreno de novo, poderia parar por um instante sua viagem e descascar à sombra de uma árvore os olhos da cidade. Teria então encontrado seu pedacinho de céu e ele era verde.