LITERATURA LATRINÁRIA
Sempre tive pavor de banheiro das escolas públicas, sobretudo os da década de 60, de cujo fétido odor eu jamais me esquecerei. Hoje penso que o governo do Espírito Santo devia ser bem pobrinho naquela época, pois não nos era disponibilizado nenhum pedacinho de papel higiênico.
Talvez por isso, as portas dos sanitários eram decoradas por rabiscos feitos, muito provavelmente, com os dedos indicadores de várias “artistas” mirins, que utilizavam “tinta” em vários tons de marrom. Eca!!
Como é quase impossível ficar durante quatro horas sem urinar, minhas visitas a esses locais eram sempre rápidas e com as mãos cobrindo as narinas. Certa vez, porém, eu fui acometida de um “desande” intestinal, que me obrigou a ficar no recinto muito mais tempo do que eu gostaria. Nesse dia eu tive meu primeiro contato com a literatura latrinária, ou seja, aquela que se escreve em portas de banheiros. Era um versinho escrito com letras garranchadas, comuns a quem ainda está se alfabetizando, que dizia: “Merda não é tinta, dedo não é pincel, quando vinher(sic!) ao banheiro, favor trazer papel”.
Gostei tanto do versinho que nos dias seguintes eu o escrevi nas demais portas, e dele me recordo até hoje. Muitos anos depois, como profissional da área de Letras, por curiosidade, passei a investigar o fenômeno das escritas em portas de banheiro público. Conclui que, normalmente, são frases ou “grafites” cujos temas oscilam entre sexo, desabafos, propagandas, xingamentos, versinhos ou piadinhas.
As causas desse fenômeno não estão devidamente desvendadas. É como se ao fechar a porta, a pessoa se sentisse protegida pelo anonimato e voltando ao seu instinto animal, fosse incentivada a deixar uma marca no mundo (os cachorros não marcam territórios com suas urinas?). Dessa forma, acredita-se que, muito provavelmente, a solidão e a certeza de que não será descoberto são os elementos detonadores da criatividade desses literatos, se é que podemos denominá-los assim.
Quanto à sua abrangência, há estudos que mostram esse tipo de literatura acontecendo em universidades até mesmo de países bastante desenvolvidos como Inglaterra, por isso não penso nada demais quando vejo esse tipo de coisa nos banheiros femininos que frequento.
Minhas observações, até agora, me levaram às seguintes conclusões:
a) Nos banheiros frequentados por crianças abundam as declarações de amor por alguns meninos, seguidas de palavrões escritos por meninas enciumadas. São raras as pornografias, embora, às vezes, se encontrem desenhos tão reais, que me fazem pensar se as garotinhas já viram os “modelos” em que se inspiraram.
b) Nos sanitários utilizados pelas moças, também se percebe uma preferência por frases curtas, algumas com declarações de amor, seguidas de impropérios, escritos com outra grafia por alguma enciumada. Outras se elogiam e fazem propaganda de suas competências para “dançarem nas boquinhas das garrafas”, por exemplo.
c) Alguns textos são escritos com letras masculinas, em uma evidência de que alguns gaiatos se divertem frequentando o local em horário em que as moças ali não estão.
d) Esses textos de prováveis autores masculinos adéquam-se à tipologia injuntiva, pois funcionam como propagandas do tamanho dos seus órgãos sexuais e das suas competências na cama, seguidas dos números de seus celulares.
Recentemente, descobri que no Sul do País, em centros de compras, o fenômeno está assumindo um caráter educativo. Em minha viagem a Florianópolis, após utilizar o vaso de um desses recintos, ao levantar-me para acionar a descarga, encontrei esse primor literário: “Ninguém quer ver o que você bebeu ou comeu! Faça o que manda a boa educação: dê descarga!”.
Ri sozinha! Adorei!!