Maltrapilho
Ao olhar para mim, você não dá nada: andrajos, não tenho a mínima condição de aquirir quaisquer novas. Ando pelas ruas com farrapos, barba por fazer, olhar triste…Garanto que nada aqui é fabricado para que eu consiga mais esmolas. Eu sou o que sou e o que demonstro... A vida na rua é difícil, sabe? Já apanhei muito, no alto dos meus 50 e tantos anos, seja da polícia ou de gente má intencionada. Ambos doem. Muito. Meu coração parece não resistir a isso.
Nem sempre vivi na rua, já fui uma pessoa estudada, sabe? Fiz faculdade, quando poucos podiam fazer, fui um bom profissional, ganhei dinheiro... Gastei em bobeiras e baboseiras…. Tive não uma vida de luxo, mas uma vida boa. Casei, tive filhos, mas eles não sei por onde estão. Se vivos ou mortos, nunca vieram a minha procura. Quem sabe, sintam a minha falta… tenham me colocado na lista de desaparecidos… Minha pobre esposa veio a falecer, ela era uma pessoa boa. Pena que fosse tão doente… Ela faleceu um bom tempo antes de virar o que sou hoje. Minha vida desmoronou… Não gosto de falar disso… É difícil.
Meu nome? Isso para mim não importa. Eles me chamam de seu João, seu José, seu Joaquim, eu sou todos eles, mas ao mesmo tempo, não sou ninguém. Eu me acho uma pessoa inexistente para o mundo, nunca vão me procurar, assim como eu nunca procurarei ninguém. Sou eu, meu pequeno espaço e o pouco dinheiro que ganho.Não gasto com bebida, a não ser que esteja muito frio, preciso estar bem, senão morro, sabe. Sempre busco comida, nem que seja um resto de hambúrguer que está no lixo, para mim já é bom. Batata frita sempre sobra. Eu gosto. Sempre vem uma boa alma e me dá um saquinho, vestido como executivo, terno, gravata… Nunca que eu conseguiria ser um desses, esses telefones de bolso todo mundo usa, escreve neles… Para mim é algo inútil. Sempre vejo outros roubando, pra quê? Para drogas… Ainda bem que consegui falar com dois meninos e eles pararam de usar essas drogas. Mas a mãe deles ainda usa… Espero que eles fiquem bem no futuro…
Amigos? Por aqui é difícil, cada um fica no seu galho. Mas eu gosto de conversar. Às vezes paro qualquer um na rua, em frente ao shopping e eles me acham maluco. Malucos são eles que me deixam falando sozinho! Mas sabe, sempre há esperança, uma senhorinha,d e uns 70 ou 80 anos disse que gostou de mim e que queria me conhecer melhor, que eu lembro um dos filhos dela. Todos os dias ela vem e me traz arroz, feijão, uma carne e salada. Conversamos sempre por uns 10 minutos, ela me dá tchau com um beijo na testa, por isso, nunca a sujo. Se sujar, procuro alguma forma de limpá-la. Ela em diz que vai me ajudar a tornar-me homem de novo, seja lá o que isso for. Confio nela.
E voltou a sentar-se no cantinho dele, sobre uma caixa de papelão aberta, onde tem um pobre cachorro vira-lata malhado de uns dez anos do lado, no qual ele pede esmolas com um pote de ração prateado. Mas sempre com um sorriso no rosto.